primeiro de maio - Parc Astérix



Como no dia do trabalho a França toda pára resolvemos tentar aproveitar o máximo possível o feriado nacional visitando o parque Astérix. Eu já tinha visto meses antes da viagem que esse era um dia complicado, onde todos os museus europeus estão fechados, as lojas e os restaurantes também. Enfim, era um inferno anunciado, mas que tinha salvação: o parque Astérix fica aberto no feriado, assim como a EuroDisney. Como queríamos algo mais francês, escolhemos o famoso gaulês.
A única complicação era o transporte: ou ia de carro, ou de trem e depois ônibus, num trajeto que me parecia muito confuso, ou ia no ônibus do parque, que sai do Carroussel do Louvre, que era a solução mais fácil, porém a mais cara.
Como já tínhamos comprado os ingressos do parque pela internet alguns dias antes da viagem e com isso conseguimos um desconto, resolvemos abrir a mão e pagar a tal "navette". No dia anterior havíamos pesquisado o local de saída do ônibus e descoberto que não dava pra comprar as passagens com antecedência, então a única saída foi madrugar.
Com muito esforço acordamos no horário dessa vez e tomamos o café da manhã no quarto mesmo, pois precisávamos sair muito cedo. Pegamos o metrô e já sabendo o caminho de cór, fomos procurar o ônibus. Apesar de não haver placas indicativas, ele é muito fácil de achar, pois é todo, todinho colorido com os personagens da "bande dessinée". Uma coisa fofíssima. Já tinha umas 5 pessoas esperando do lado de fora, mas não tinha fila.

Observação sobre o comportamento francês: eles não sabem fazer fila. Mesmo. Se não tiver grades limitando o espaço e impondo uma fila, eles não se organizam, eles se aglutinam tentando um ficar mais próximo da entrada que o outro. Em suma, uma bagunça generalizada, porém muito silenciosa e razoavelmente educada (é "pardon" pra tudo que é lado).

Notamos que conforme o tempo foi passando mais adultos iam chegando, enquanto só tínhamos visto 3 crianças. Quando o ônibus "abriu" todos começaram a se cutevelar na porta, mas fomos subindo... compramos nossos bilhetes com o motorista mesmo, já reservando o lugar na volta também. Nos sentamos e ficamos só observando as pessoas entrarem. A idade média do ônibus passava dos 20 anos fácil, o que me deixou meio perplexa. Já tinha ouvido falar que o parque não era lá muito infantil, mas daí a só ter marmanjo é outra estória, né?
O ônibus obviamente saiu atrasado, o que depois vim a descobrir que não é tão incomum assim na França, afinal eles não são ingleses para a alegria da nação. Aproveitamos para dormir até a chegada no parque, que estava começando a abrir. Literalmente. Apesar de conseguirmos passar do primeiro portão, onde se entrega as entradas e onde tem uma placa dividindo a região entre France e Gaule (o parque é cheio de pequenos detalhes com piadas lembrando os quadrinhos, é genial), acabamos por empacar junto com a multidão que esperava o parque abrir, numa espécie de praça onde se concentram as lojas. Em menos de 2 minutos percebemos que sairíamos mais pobres, bem mais pobres, daquele lugar, as lojas são absurdamente legais e interessantes, com todos os livros pra comprar, em diversas línguas, bichos de pelúcia, camisetas (muitas com piadas), miniaturas, canecas, bonecos, lápis... toda espécie de lembrancinha. Você vê pessoas de todas as idades comprando de tudo. O mais engraçado são os adultos comprando os capacetes de plástico, que existem em diversos modelos: romano, gaulês, viking... tem pra todos os gostos e sexos.
Tentamos nos controlar, e resolvemos que só iríamos fazer compras na saída do parque, porque carregar tudo o que queríamos pelas montanhas russas não era muito recomendado.
Enquanto olhávamos boquiabertos nas lojas ouvimos a multidão do lado de fora gritar e começar a se mover. Era o sinal de que o parque finalmente estava aberto. Fomos atrás!
O parque é dividido em grandes áreas: Gália, Roma, Grécia, Império Romano, os Vikings e Através dos Tempos, sendo que no centro do Gália fica Petibonum!
Resolvemos começar pelos brinquedos mais distantes e maiores. Então fomos primeiro para a montanha russa de madeira "Tonerre de Zeus"! Demos de cara um funcionário explicando que ela só abriria mais tarde, por conta de problemas técnicos. Nem nos importamos, bem perto tinha a maior montanha do parque, Gordurix! Com 7 loopings! O único problema era a fila. Quase uma hora depois, com a ajuda de um carro extra que havia começado a funcionar, chegou a nossa vez!
Eu não lembro qual tinha sido minha última montanha russa... só sei que era meio infantil, porque durante quase toda a minha vida eu não tive altura o suficiente para ir nesses brinquedos. Enfim, foi minha primeira montanha russa com looping! Comecei bem...
Dali voltamos pra Tonnerre, que já tinha começado a funcionar. Eu que tinha achado a primeira muito forte, mal sabia o que me esperava. Gordurix é uma montanha russa moderna, que apesar dos loopings te dá alguma sensação de segurança. Tonnerre de Zeus é de madeira, enquanto você espera na fila você pode ver que ela sempre sede um pouco quando o carro passa, fora o barulho. Essa montanha é daquelas que você acha que não vai acabar nunca, e ela é tão intrincada, com os caminhos se sobrepondo, que você nunca sabe direito pra onde está indo! Pra se ter uma idéia, a Tonnerre em números: é a terceira maior montanha russa de madeira da Europa, e a única que foi escolhida 3 vezes como a melhor montanha russa de madeira do mundo. Não é coisa pouca não! A bichinha não é mole não! Ainda bem que acabamos indo nela depois da Gordurix, pois deixou a modernosa no chinelo!
Saímos zonzos da bronca dos deuses, mais saímos bem a tempo de ver uma atração que eu queria muito assistir: o show dos golfinhos! Chegamos bem na hora marcada no aviso do lado de fora! Mais ainda estava meio vazio, então pegamos um bom lugar e ficamos esperando. Esperando, esperando, esperando, esperando... Quando já estávamos de saco cheio, o show ameaçou começar... e a chuva começou a cair. Como o Caike estava com o super-casaco impermeável dele e eu estava com meu casaco de neoprene, resolvemos ficar na chuva mesmo, enquanto as pessoas em volta abriam guarda-chuvas e vestiam seus ponchos do parque (nesse momento fiz uma nota mental: era ali mesmo que eu compraria o meu!). O show só ameaçava a começar, mas não começava nunca. Foi então que algo incrível aconteceu: caiu granizo. Sério, caiu pedras de gelo mesmo! E nós ali sem termos onde se proteger... muitas pessoas começaram a se levantar e a ir embora... o granizo parou, mas a chuva apertou! Aí até nós resolvemos que tudo tinha limite, levantamos também e nos dirigimos para a saída, e Murphy é grande e louvado, o show resolveu começar. Voltamos e nos sentamos novamente na chuva pra assistirmos. O show é muito fofinho, mas tem o pré-requisito saber francês, porque é feito basicamente pra crianças, parecendo um programado discovery channel, explicando tudo sobre os golfinhos, o que comem, onde vivem, seus hábitos, tudo explicadinho. E os golfinhos de lá são meio que aprendizes, ainda não sabem muitos truques, e eles explicam isso! Enfim, é legal, mas deixou a desejar. Ainda mais porque os tratadores resolvem mesmo brincar com os bichos quando o show termina!
A vantagem foi que nós saímos de lá tão molhados que eu já não ligava mais de ir nos demais brinquedos do parque, porque 90% deles envolvem água, muita água, e estava um frio de rachar... molhado, molhado e meio, né? Aproveitamos a ausência de filas por conta da hora do almoço e fomos para o Grand Splash! Nome bem auto-explicativo... só que exagerado. Não é tão grande assim. Mas também depois das montanhas russas, aquilo era coisa pra criança de colo. Saímos de lá pensando "puxa, é só isso?", aí eu me animei vendo um outro brinquedo: o menir express! Puxei o Caike e lá fomos nós, ainda aproveitando a pouca fila, e realmente era bem melhor que o Splash!
Dali, já reanimados, achamos que já era hora de comermos alguma coisa e fazermos algo mais calmo para digerir. Fomos numa lanchonete que servia a fast food mais lenta que eu já vi na minha vida. Sério, demorou muito para recebermos nossos sanduíches, e olha que eles já estavam prontos! Mas mesmo assim deu tempo de pegarmos um pequeno show: A Legião Recruta! É um espetáculo para crianças, mas é muito divertido, com atores bem engraçados e capazes de personificar os quadrinhos. Parece que você está assistindo o gibi se mexer na sua frente... bem divertido! E deu para comermos com calma.
De lá fomos fazer a digestão caminhando por Petibonum! Lá tiramos as fotos que não podem faltar com o Astérix, Obélix, o bardo... enfim, fizemos a festa!
Já com o almoço bem digerido fomos para a última atração do nosso dia: La Trace de Hourra! Uma espécie de montanha russa sem trilhos, o carro parece mais carrinho de rolimã, só que a 60km/h. Foi onde tiraram a foto mais bonita da gente... saímos bem apesar de nem termos visto onde era a câmera, e de normalmente elas serem colocadas de forma que todo o mundo sai com cara de desespero. Compramos a foto e fomos às compras! Passamos os últimos 45 minutos antes do parque fechar visitando as lojas e fazendo contas. Foi a primeira vez que vi o Caike tendo um ataque de consumismo. Achei engraçadíssimo! E o legal é que as lojas são temáticas, com as aventuras mais conhecidas do Astérix, com temas do Egito, Índia, Vikings... é o maior barato! Só que caro.
Saímos carregados e fomos para o nosso ônibus colorido, e obviamente, dormimos a volta todinha.
Chegando novamente em Paris, fomos dar um pulinho estratégico na Gare Saint-Lazare, pois eu queria fazer as reservas dos meus trens para as semanas seguintes. Chegamos lá com o guichê quase fechando, mas a atendente foi muito legal e me atendeu até não poder mais, numa correria meio alucinante, eu com um monte de papel na mão com os horários e dias que eu queria reservar e ela me dizendo rápido o que dava ou não pra reservar (só alguns trens podem ser reservados, outros não) ou o que não valia a pena reservar. Numa correria louca reservei quase tudo o que eu precisava, faltando apenas umas 2 passagens, mais as mais importantes eu consegui! Paguei o valor extra das reservas (porque estava fazendo tudo com o meu europass) e saí aliviada.
Saímos da gare com o passo apertado, porque o entorno dessa estação é muito esquisito... não sei se era por causa do feriado, ou pelas obras na entrada, só sei que o número de mendigos e de pessoas esquisitas era bem maior do que a média do resto da cidade.
Voltamos para a estação de metrô mais próxima do hotel, resolvemos comer crêpe numa creperia chamada Crêpe à Gogo, um lugar muito simpático, com gallettes maravilhosas...
Fomos finalmente para o hotel, a noite já estava avançada e, depois da sessão de lavanderia no banheiro, dormi assim que encostei a cabeça no travesseiro. O dia seguinte prometia ser o mais longo de todos.



30 de abril - Louvre




Por conta do cansaço do dia anterior, novamente tivemos problemas para acordar na hora. Levantamos mais tarde do que o planejado, tomamos café no hotel mesmo, pois atrasados ou não o Louvre só abre às 9h, dando tempo de comer com calma mesmo se tivéssemos no horário. E como estávamos com o museum pass, não nos sentíamos mais preocupados com filas, ainda mais depois da experiência em Versailles.
Alimentados e protegidos do frio, pegamos o metrô, até a estação que tem uma saída no Carroussel do Louvre, isto é, uma galeria bem embaixo do museu, com diversas lojas e um dos acesso ao museu, e com o famoso hall da pirâmide invertida. Na verdade, galeria não é uma palavra tão adequada, porque estamos falando de alguns andares de lojas e estacionamento, além do metrô. Tudo no subsolo.
De qualquer forma, chegamos no famoso hall, que ainda não estava estupidamente cheio, tiramos fotos na pirâmide invertida, e fomos correndo para o balcão de informações turísticas, pois queríamos confirmar onde ficava o ônibus para o parque Astérix, que visitaríamos no dia seguinte, e como comprar as passagens. Lembra que eu falei que na França tudo começa tarde? Pois é, o balcão ainda estava fechado.
Resolvemos deixar as informações dos tíquetes do parque para depois da visita ao museu e fomos tentar achar a localização do ônibus. Como não conseguimos achar o estacionamento subterrâneo (que ainda não sabíamos que existia), fomos tentar a sorte acima do nível do solo. Procuramos em vão, não tinha uma placa, um ponto de ônibus, nada que pudesse nos ajudar. Resolvemos que era melhor deixar tudo pra depois mesmo e fomos para a entrada mais próxima do museu.
Tinha fila. E ela era enorme e lotada de japoneses (ou chineses, não sei dizer).
Como não havia outra fila, ficamos preocupados, onde está o nosso privilégio do passe? Tinham me garantido que ele existia no Louvre! Decidi deixar o Caike no final da fila e fui pro início perguntar para o segurança como tudo funcionava. O funcionário, ao ver meu passe, disse pra passar na frente, mas não dava pra deixar o Caike sozinho e ficar esperando do lado de dentro, né? Voltei correndo e juntos nós mostramos o museum pass e exercemos nosso direito divino de furar fila.
Passando dessa entrada, que só consiste no sempre presente raio-x e no detector de metais, se entra num hall enorme, com inúmeros guichês de venda de ingressos e os acessos para os diversos pavilhões do museu. O Louvre é um museu muito interessante, você pode comprar diversos tipo de entrada, para cada pavilhão ou exposição ou grupos de pavilhões, fora as exposições temporárias, cujos ingressos são sempre vendidos à parte, não estando incluídos nem mesmo no museum pass.
Depois de conseguir um mapa com a descrição do que tinha em cada pavilhão, traçamos um plano de como percorreríamos o museu, numa espécie de maratona artístico-histórica de tirar o fôlego. Começamos então pelo pavilhão Suly, onde vimos primeiro o Louvre Medieval, que consiste de escavações no subsolo do museu que mostram as fundações do primeiro castelo construído ali e que deu origem ao prédio que hoje abriga o museu.

Considerações rápidas sobre o Louvre Medieval: para um primeiro castelo considerado primitivo, a construção antiga é gigantesca! E quem foi o louco que resolveu escavar nas fundações de uma construção tão antiga? Como é que as coisas não caem? Que loucura!

Essa parte da exposição não é exatamente imperdível, mas sobrando tempo vale a pena ver as bases do castelo medieval, porque é muito legal! Dali, resolvemos ignorar a exposição sobre a história do Louvre e fomos direto para o Egito, Mesopotâmia e em seguida esculturas gregas e italianas. Pra quem gosta de história antiga é imperdível. Você fica se perguntando o que sobrou no Egito para ser visto, porque a exposição é enorme! Tem tanta múmia que deixaria muito cemitério por aí com inveja! Fora as estátuas, estatuetas, vasos, jóias e inúmeros outros artefatos.
Pra mim foi uma sensação muito ambígua ver aquilo tudo ali, coisas de tantos lugares que na maioria das vezes se tem provas de que foram roubadas, sabe? É muito legal ver tudo junto numa exposição monstruosa como aquela, e todos sabem que durante muito tempo esses artefatos não foram valorizados nos seus países de origem e muitas vezes coisas preciosas foram destruídas. Mas eu já estive na Grécia e é doloroso entrar num museu num lugar como esse e ver apenas cópias com a inscrição "o original se encontra em escolha uma cidade européia", e não só nos museus! É de partir do o coração ver o Partenon sem uma, nem uma, estátua restante. Mas essa discussão não cabe aqui... são apenas pensamentos que me perseguiam enquanto eu visitava essa parte do Louvre.

Onde estávamos? Sim, depois do Egito e da Mesopotâmia, fomos ver um dos carros-chefe do museu, que fica numa sala só pra ela, no meio da exposição de esculturas gregas e italianas: a Vênus de Milo! Nunca imaginei que uma estátua fosse capaz de me emocionar tanto. É inexplicável! É uma estátua simples, nem é tão grande assim, e ainda está faltando pedaço! Mas ela exerce um poder nas pessoas fantástico! Você fica bobo olhando pra ela... tem que lembrar de fechar a boca e ver se escorreu alguma coisa.
Na verdade, toda a parte de estátuas gregas é de encher os olhos! Nossa, os gregos podiam gostar bem de uma sacanagem homossexual, mas como sabiam representar mulheres e o feminino... mas a cultura é mesmo algo que choca, uma das esculturas mais lindas e femininas que vimos, e que fez o Caike fazer o comentário que eu acabei de escrever aqui, era justamente de um hermafrodita. Uma mulher perfeita. Linda de morrer! Mas tinha "algo a mais". Simplesmente bizarro. Presente de grego mesmo.
Como estávamos no ritmo maratona, o negócio é ver o maior número possível de coisas, saímos do pavilhão Suly e fomos para o Denon! Ainda não era hora do almoço e estávamos no maior gás! Fomos encarar as pinturas francesas, italianas e espanholas!
Essa parte do museu não obedece uma ordem cronológica clara, nem tem exatamente temas ou escolas separadas, o que nesse caso é uma virtude, pois você pode comparar tudo! A sala das grandes pinturas é maravilhosa! Nela você tem reunidas as obras de grandes dimensões francesas, uma coisa de outro planeta! É difícil de imaginar um pintor realizando obras tão grandes... fora que são todas maravilhosas! Uma apreciação sem fim de beleza e técnica.
E bem pertinho, na parte de pinturas italianas tem DaVinci. É uma coisa fora de série. Não sei bem explicar, mas depois de ter visitado tantos museus e ter visto tantos pintores diferentes cheguei a conclusão de que alguns são simplesmente especiais. Não tem uma razão clara pra isso, não é a técnica que te deixa hipnotizado (apesar de DaVinci ser um mestre de uma técnica tal que te faz duvidar da possibilidade daquilo ser real), nem os temas... é algo mais, que não consigo encontrar palavras pra descrever... e vou te contar, esse italiano está nessa seleção especial numa posição de honra.
Ainda falando de DaVinci, também é nessa parte do museu que se encontra sua obra mais famosa: Monalisa. Não visitem o Louvre com uma idéia grandiosa desse quadro. Ele é pequenininho, e cercado por cordas de tudo que é lado, com uma multidão se acotovelando para ver o mais perto possível e tirar uma foto, que não pode ser com flash e como todos se empurram é impossível de ficar boa.



Observação sobre pinturas nos museus europeus: uma das coisas legais que acontece dentro dos museus na Europa é que eles liberam para estudantes de pintura levarem suas telas e materiais para dentro do museu, onde eles estudam as grandes obras, então, não é raro ver alguém (de qualquer idade) reproduzindo um quadro dentro das galerias... é algo muito interessante de observar!

Enfim, é uma parte realmente imperdível do museu, nem que seja pra passar correndo, porque se você for ficar mais de 2 minutos apreciando cada quadro você precisará de um ano inteiro para conhecer o Louvre.
Terminando os quadros principais, estávamos com uma fome monstruosa. Procuramos os cafés mais próximos, mas estava tudo lotadíssimo, e a fome nos deixava impacientes e inquietos. Acabamos saindo dos pavilhões e fomos para uma espécie de bandejão que tem no hall principal, com uma fila bem mais amigável e que é selfservice... mas o estilo selfservice internacional, você escolhe o que vai compor o seu prato e eles te servem na porção padrão.
Saciada a fome, pegamos novamente o mapa do museu e planejamos o que veríamos no segundo round. Fomos primeiro para a parte descrita como Renascença, só para descobrir que lá tem exposta uma coleção de objetos decorativos dessa época, e não de quadros como imaginávamos. Não que não seja bonito ou interessante, é muito, mas não era nossa prioridade. Então fomos correndo para a parte seguinte do nosso plano: os apartamentos de Napoleão III! A decoração dessa parte do Louvre foi toda modificada para o ego de Napoleão III, e lembra bastante o que se vê em Versailles, com a diferença de que tem uma exposição imperdível de jóias da nobreza francesa e dos Napoleões.
Dali fomos ver os quadros do norte europeu, porque os holandeses são fantásticos. Só pra descobrir que a coleção do Louvre de pinturas dessa região é fraca... pra ver as obras primas de países europeus você tem que visitar os museus desses países mesmo. Então fomos procurar as obras que eu queria ver da pintura francesa do século XIX: os orientalistas! Fiquei emocionadíssima... e só então me senti satisfeita! Para uma maratona como a nossa, tínhamos visto tudo o que achávamos imperdível, e terminamos nos sentindo moídos e oprimidos pelo excesso de informação. Minha cabeça girava.
Resolvemos que para um dia de visita era suficiente, no dia seguinte não poderíamos perder a hora de jeito nenhum por conta do ônibus que nos levaria para o parque Astérix, que tem hora marcada, e só sai uma vez por dia.
Para levantar o astral fomos para um Starbucks que tem no Carroussel e pedimos um bom chocolate quente para cada um. Mais felizes e aquecidos pela bebida dos deuses, fomos finalmente para o balcão de informações turísticas, e descobrimos que era impossível comprar com antecedência as passagens de ônibus. Porém a atendente nos explicou como achar o ponto dele e nos sugeriu que fizéssemos um teste naquele momento para não nos perdermos no dia seguinte. Achamos a idéia ótima, e lá fomos nós!
Claro que nos perdemos, e ficamos uma boa meia hora procurando o estacionamento certo. Chegando lá, um lugar enorme e feio como qualquer estacionamento, procuramos uma placa ou indicação do lugar de onde parte o tal ônibus e não vimos nada. Preocupados, começamos a pensar como faríamos no dia seguinte, será que estávamos mesmo no lugar certo? Resolvi que era melhor perguntar por ali perto, nas lojas próximas da saída pro estacionamento. Todos me garantiram que o ônibus saía dali mesmo "em torno das 8:30h". Bom, era o máximo que podíamos fazer.
Saímos do estacionamento e voltamos ao Carroussel, resolvemos dar um pulinho na Virgin, onde comprei mais um livro de dança do ventre. Estávamos cansados demais pra fazer mais coisas, então achamos que era melhor voltarmos ao hotel. Deixamos todo o peso no quarto e fomos jantar olhando o pôr do sol num restaurante muito simpático perto do hotel.
Olhei pro menu e vi um prato com um nome muito bonito, andouillette, e perguntei o que era: uma salsicha de entranhas de porco. Que salsicha não é? Apesar do aviso de ser uma comida forte resolvi arriscar. Pra quê? Comi o primeiro pedaço e achei ótimo, mas depois do segundo o gosto meio que impregnou a minha boca de tal forma que eu não conseguia mais comer aquilo. Era forte demais pra mim. Olhei suplicante pro Caike (que tinha pedido um pato lindo de morrer) "quer experimentar?". Ele gostou e elogiou, dizendo que era bem diferente. Olhei novamente, só que mais suplicante ainda, "quer trocar?". E ele salvou o meu estômago e o meu jantar. O pato dele estava maravilhoso! E ele conseguiu comer a maldita andouillette inteirinha, não sei como.
Terminado o jantar, o sol terminando de se pôr, já era quase 22h e tudo que precisávamos era dormir. Voltamos pro hotel, fui pra minha sessão, que precisava ser diária, de lavação de roupa e capotamos. No dia seguinte iríamos à Gália!






29 de abril - Versailles



Apesar dos nossos planos de acordar cedo e chegarmos a Versailles com o castelo abrindo, o cansaço era tanto que foi impossível despertar na hora marcada. Levantamos mais de uma hora depois do planejado e ainda assim com muita dificuldade. O dia estava feio, cinza e chuvoso. Pequei meu casaco/mochila, que era levemente impermeável, mas na dúvida pequei também minha capa de chuva tamanho infantil. Colocamos na mochila a garrafa de vinho que havíamos comprado no primeiro dia e os pães, queijos e salame que levaríamos para fazer um piquenique nos jardins do castelo.


Tomamos o café no hotel mesmo, já que estávamos atrasados mesmo e meia hora a mais não faria a menor diferença. Saímos apressados, pelo atraso e pelo frio, e corremos para o metrô. Já tínhamos verificado como chegar lá usando apenas o RER, o que é mais fácil do que ir até uma estação e pegar um trem. Compramos os bilhetes, que pela distância têm um preço diferenciado, e partimos. O RER pra Versailles é um pouco diferente, tem dois andares e uma boa parte do caminho é feita acima da superfície, de forma que do segundo andar a vista é ótima! Pena que não consegui aproveitar muito, fui dormindo quase o tempo todo, acordando apenas nas estações de parada para tentar não perder a hora de descer, o que foi ótimo porque pra mim a viagem durou apenas uns 15 minutos, enquanto o Caike me afirmou que havia durado 45.


Chegando na estação, quase que o trem todo desembarca, a quantidade de turistas, de japoneses e chineses (impossível diferenciá-los nessa situação) é assustadora! Parece um mar de gente. Você nem precisa procurar um mapa pra ver o caminho até o Château, é só seguir a multidão. Por conta da chuva, saquei minha capa da mochila e me preparei para a tempestade! Fomos andando numa chuva razoavelmente forte até a entrada do castelo quando a vimos.


A fila pra entrar.


Era a maior fila que eu já tinha visto, pelo menos numa chuva daquelas. Era um cenário desanimador.


Fomos nos informar sobre a possibilidade de darmos carteirada com o sagrado museum pass, e descobrimos que podíamos! Foi a melhor sensação do mundo! Passamos por aquele monte de gente enxarcada e fomos direto para a entrada, onde passamos novamente pelo detector de metais... e no raio-x viram que carregávamos uma garrafa. Garrafas de vidro eram proibidas. Era uma vez o nosso piquenique. Tristes, mas conformados, até porque com aquele tempo um piquenique não era a melhor idéia do mundo, deixamos a mochila do Caike no guarda-volume e fomos conhecer a famosa residência real da França.


O Château de Versailles foi a residência oficial dos reis Louis XIV, Louis XV e Louis XVI. Construído no século XVII, ele é uma obra muito representativa do estilo clássico e também do barroco, com a mitologia greco-romana sendo o grande objeto de suas pinturas e esculturas, além, é claro, dos reis, principalmente Louis XIV, o Rei-Sol. Os grandes apartamentos são realmente impressionantes, tudo com muitos detalhes, esculturas e afrescos cobrindo todos os tetos. Tudo de uma suntuosidade quase/muito criminosa, com muito ouro e prata, fora as imensas tapeçarias, espelhos e cristais. Em resumo: é uma loucura tão grande que vira um deleite para os olhos.


Logo quando se entra (há um caminho certinho para se percorrer) você se depara com a Capela Real, que é belíssima, com o chão todo de mármore de diversas tonalidades, detalhes em ouro nas paredes e um órgão lindíssimo.


Depois começa o tour pelos grandes apartamentos, todos nomeados com deuses greco-romanos, sem corredores e sem nenhum banheiro. Os quartos vão dando um no outro, todos com ante-câmaras, para a realeza poder saber que alguém está chegando com antecedência, é claro. É um mais suntuoso que o outro, pois o propósito era mesmo impressionar os visitantes e mostrar toda a riqueza de Sua Alteza. A idéia era de que quem tivesse o castelo mais rico e suntuoso era mais poderoso e, consequentemente, temível.


O pé direito é tão alto que chega a assustar, inclusive nas portas, pois o rei possui uma majestade tal que ultrapassa o seu corpo físico e precisa de espaço para passar. O engraçado é que essa regra não vale para o tamanho das camas... são todas pequenininhas... perfeitas para alguém com a minha altura!


Mas voltando ao tour, depois da capela, entra-se no Salão de Hércules, o maior do château, onde tem um afresco gigantesco no teto da Apoteose de Hércules, com ele entrando no Olimpo... é o sinal de que você agora vai entrar no domínio dos reis, digo, deuses... aí vem o Salão da Abundância, que é uma espécie de ante-sala para os apartamentos do rei.


Dali se segue para o Salão de Vênus, e depois para o Salão de Diana, que era usado como sala de jogos. Em seguida tem o Salão de Marte, onde ficava a guarda do rei, depois o Salão de Mercúrio, onde o corpo de Louis XIV foi velado quando de sua morte, e então o Salão de Apollo, o deus-sol, que é, obviamente se você pensar no título de Louis XIV, o salão do Trono. Só ficou faltando pintarem Apollo com o rosto do rei.


Ao lado fica o Salão de guerra, seguido da Galeria dos Espelhos, cujo nome vem da quantidade absurda de espelhos, são 350 no total e são os maiores espelhos possíveis de se fabricar na época, além de inúmeros lustres e candelabros enormes de cristal e, pra variar, muitos afrescos e ornamentos no teto. Claro que é o aposento mais famoso do Château.


Vem então os apartamentos da rainha, começando pelo salão da paz (guerra é coisa de macho, paz é coisa de mulherzinha, só pode ser essa a lógica, né?), seguido pelo aposento mesmo dela, com direito a uma cama diminuta mas muito chique, e, enfim, o grande gabinete, ou salão dos nobres ou do conselho.


Depois disso temos os salões modificados por Napoleão, que são quase tão egocêntricos quanto aqueles de Louis XIV, com pinturas que cobrem a parede inteira com a coroação de Napoleão, por exemplo.


Então, já cansados de ver tanto ouro e pinturas mitológicas, descemos as escadas para uma parte do château bem menos visitada, e, portanto, mais civilizada e fácil de apreciar: os apartamentos do delfim e da "delfina". Isto é, as crianças. E tivemos uma bela aula sobre como estragar uma criança e torná-la um Louis XIV da vida: é só criá-la num espaço como aquele. Receita testada e aprovada por gerações!


Mas fora isso, é uma parte muito interessante da visita, pois esses quartos são muito bem mobiliados, e neles você tem uma idéia bem melhor do como era a residência real, e de como era a educação dos reis: vendo as bibliotecas infantis e os objetos de estudo, como um globo enorme com direito a representação do relevo. Fantástico!


Depois desses apartamentos menores, saímos para o jardim. E eu quase desisti de continuar visitando o lugar. Estava tão frio, que nada me esquentava, e a chuva não parava de cair... era tanta água que até o gramado estava enlameado. Era difícil de andar sem escorregar e ventava sem parar. Para quem detesta frio, como eu, era um pesadelo. O Caike teve que me persuadir a continuar e visitarmos os jardins, com uma vaga promessa que ao atravessarmos aquilo tudo veríamos o petit e o grand Trianon. Como a curiosidade matou o gato, e eu realmente queria andar pelos lendários jardins de Versailles, me deixei convencer.


Meio tremendo, meio correndo, nos escondendo onde dava da água que não parava de cair, fomos olhando o jardim, que é mesmo debaixo de toda aquela chuva, uma verdadeira obra prima, com estátuas belíssimas, com as quais brincávamos de adivinhar a divindade grega que era representada. As árvores são cortadas de forma a fazer desenhos impossíveis, parece que escolheram a dedo onde plantar e depois fizeram estudos geométricos com elas. Uma beleza! E tem as fontes... que mesmo desligadas (até porque ninguém precisava de mais água) são lindas de morrer...


E foi morrendo de frio que paramos no meio do caminho para os Trianons para almoçar. Escolhemos um dos lugares mais quentes do restaurante (que era caríssimo por causa da localização). Eu estava enxarcada, meus sapatos estavam molhados até a alma, minha calça pingava a partir do meio das coxas (tive até que esvaziar os bolsos por causa disso) e eu tremia quando tirei a capa de chuva e me sentei da mesa. Nem os mapas escaparam, estavam em frangalhos e se desfaziam entre os dedos.


Aproveitamos o ambiente quentinho o máximo possível, meio que enrolando para comer. E deu certo! Quando terminamos estávamos secos! Com excessão dos sapatos, que estavam além da salvação.


Apesar revigorados pelo calor e pela comida, nos desanimamos quando vimos que a chuva continuava. E não estava com cara de que ia dar uma trégua nos próximos anos. Acabamos por desistir de ir até o Trianon e resolvemos voltar devagar, passando pelas partes dos jardins que ainda não tínhamos visto. A idéia também era poupar um pouco as nossas pernas, pois no dia seguinte tínhamos programado de ver o Louvre, o que exigiria muito delas.


Foi assim que voltamos até o château, onde eu fiquei horas na fila do banheiro enquanto o Caike procurava o lugar onde tinha deixado a mochila. A fila demorou tanto que deu tempo dele voltar e me esperar.


Pegamos novamente o RER e o metrô, onde eu aproveitei para dormir mais um pouquinho. Passamos na vendinha perto do hotel, onde o vendedor já até conhecia a gente, só faltando nos tratar pelo primeiro nome, compramos mais pão, queijo e presunto du pays (um tipo de presunto cru que eu a-m-e-i). Comemos tudo já na cama, depois de um bom banho quente. Aproveitei que já estava no clima e lavei as roupas dos dias anteriores na pia (para mais 30 dias de viagem, lavar roupa é obrigatório) e pendurei pelo quarto todo, incluindo as portas dos armários e do banheiro. A decoração ficou fantástica rsrsrs


E finalmente pudemos dormir ouvindo a chuva cair do lado de fora da janela.




Dia 28 de abril - o dia das surpresas

Por conta do dia anterior acordamos mais tarde do que prevíamos, às 7:30h. Resolvemos que o negócio era mesmo tomar café no hotel, não só por causa da inutilidade de sair muito cedo, mas também pelo preço, já que o lugar mais barato para comer nas redondezas era mesmo o Hôtel du Brésil. O "petit déjouner" era bem razoável: pão, croissant gigante, suco de laranja, uma bebida quente escolhida entre café, chocolate quente, café com leite e chá, manteiga, geléia e mel. Dava pra forrar bem o estômago, e fora o pão duro, tudo estava bem gostoso. Especialmente o chocolate quente. Na europa o conceito de chocolate quente é muito diferente daqui... o pó que eles usam para misturar ao leite normalmente é chocolate com mais de 30% de cacao, bem mais forte do que o pó de chocolate em caixa que vende no Brasil e que a gente só usa pra fazer doces adicionando muito açúcar. São iguarias, especialmente o que eu vi na Holanda... mas não vou me adiantar na história.
Terminado o café, como estávamos do lado do Panthéon, resolvemos começar por ele mesmo. Pra variar demos de cara com a porta, ele só abria a partir das 10h. Decidimos então começar pelas igrejas das redondezas, isto é, do quartier latin.
Fomos primeiro a Eglise de Saint-Sulpice, aquela mesma que aparece no romance O Código Da Vinci por conta da linha rosa e de um assassinato de uma freira (no romance! Nenhuma freira foi assassinada lá em episódio famoso algum, apesar de que tenho certeza de que essas coisas deviam acontecer com alguma frequência na idade média ou mesmo durante a revolução ou a comuna).
De qualquer forma, a igreja é estonteante... de uma altura formidável, ela é muito iluminada por dentro por conta dos enormes vitrais, o que dá um aspecto belíssimo em contato com suas pedras enegrecidas pelo tempo... fora a sua estatuária! Era a primeira igreja que víamos com uma estatuária tão rica e variada. Sua construção, pelo menos do prédio atual, contem elementos do século XII até o século XVII quando ela foi aumentada, num trabalho que durou 130 anos para ser "terminado" (a fachada e a torre sul permaneceram inacabadas) e incluem elementos dos estilos clássico e jesuíta. Mas é aquela coisa que sempre se repete na Europa, esse é o prédio atual, existem estudos e pesquisas arqueológicas que comprovam que antes dessa construção havia uma capela e um cemitério no mesmo lugar que datam de um período bem anterior. Coisa de europeu mesmo, que resolve fazer uma obra pra melhorar o sistema de esgoto e descobre uma ruína romana.
Além disso tudo, a igreja possui um famoso gnômon que marca a data do equinócio de março! O tal que é mencionado como marcando a linha rosa no romance de Dan Brown, e por causa dele ao lado do obelisco do gnômon tem um grande quadro explicativo, colocado ali pela paróquia, sobre como o Código da Vinci deve ser evitado porque gera dúvidas quanto aos dogmas da igreja e quanto a fé, que isso é prejudicial e desnecessário porque a igreja nunca teve o objetivo de enganar ou esconder nada de ninguém e mais um monte de blablablá. Uma leitura muito curiosa e, sinceramente, hilária!
Como se não fosse suficiente, tem o órgão, um dos maiores da Europa, que data do século XVIII. E aí entra outro detalhe especial: em muitas igrejas o órgão é tocado durante várias horas do dia como forma de pedir doações para sua manutenção. Eu nunca tinha escutado um órgão daquele tamanho funcionando, é algo realmente impressionante, cria uma atmosfera fantástica, a sensação é mesmo que a música envolve todo o seu corpo e ocupa todo o espaço da igreja. Deixa a visita muito mais emocionante.
Daí fomos para o próxima igreja do dia: Saint-Germain-de-Prés, que tínhamos tentado em vão ver no dia anterior. Essa igreja é considerada a mais antiga de Paris, sua primeira versão, merovíngea, data do século VI, e o prédio atual é do século XI misturando diversos estilos: colunas ainda do século VI, arcos de estilo romano e abóbadas góticas. Ela foi quase totalmente destruída durante a revolução: apenas uma das suas 3 torres originais permanece de pé e ainda tem um daqueles episódios de massacre de todos os religiosos por uma multidão enfurecida mais comuns do que se imagina nesse período.
Apesar da história tumultuada, a igreja é de uma beleza singular. Muito escura e sombria por conta dos seus arcos romanos e vitrais consequentemente diminutos, ela tem um clima muito diferente, sua estatuária é visivelmente mais antiga, e seus afrescos ainda estão razoavelmente conservados, escurecendo ainda mais o ambiente. Algumas capelas são tão antigas que é possível ver várias mudanças feitas ao longo dos anos, como portas e janelas que deixaram de existir, nichos abandonados e um certo ar de ruína arqueológica. Se você gosta de simbologia e entende um mínimo do assunto, visitar as igrejas na Europa é um prato cheio de coisas interessantes e aparentemente fora do lugar (pra quem conhece muito não deve parecer tão deslocado, como meus conhecimentos são muito limitados pra mim é tudo um samba do crioulo doido). Um dos vitrais dessa igreja, por exemplo, possui um símbolo maçônico muito conhecido: uma pirâmide com raios de sol saindo por trás (que também está presente na nota de um dólar), algo realmente inesperado.
Descobrimos também, para minha alegria como profissional de ciências exatas, que Descartes está enterrado nessa igreja com direito a epitáfio e tudo: "O primeiro que, depois do renascimento das Letras na Europa, reivindicou e assegurou os direitos da razão humana" numa tradução meio porca e incompleta, mas ainda assim válida.
Depois, para poupar tempo, porque a programação era bastante extensa, pegamos o metrô e fomos direto para o coração da cidade, a Île de la Cité! Que tem um dos cartões postais mais famosos do mundo: a Notre Dame.
Mas antes de ir para a igreja considerada uma das obras primas da arte religiosa, fomos a uma igrejinha de proporções bem mais modestas, mas de importância quase inestimável para a arquitetura gótica: a Sainte Chapelle.
Quando chegamos tinha uma fila monstruosa do lado de fora pra entrar. Olhamos desanimados... mas lembramos que nosso Museum Pass incluía a capela! Tentamos dar aquela carteirada mas fomos barrados: ali, por ser prédio do governo (é o atual palácio da justiça) não tinha distinção entre os turistas, a fila era única. Não tinha remédio, entramos na fila e ficamos esperando, ainda bem que tínhamos vindo de metrô trocamos a caminhada pela espera. Ela até andava, mas muito devagar, comecei a ficar preocupada, será que conseguiríamos ver os famosos vitrais com a capela tão lotada do jeito que aparentava estar?
Depois de um pouco mais de meia hora chegou a nossa vez de entrar, e descobrimos a razão daquela confusão: mais detectores de metal. Eu passei fácil, mas o Caike trazia na mochila um conjunto de talheres de acampamento, daqueles sem fio nenhum de colher, faca e garfo que se encaixam uns nos outros. Não ter fio não era importante. Barraram o conjunto. O Caike teve que assinar um termo que descrevia o material e deixá-lo ali na portaria para buscar na saída.
Finalmente entramos no prédio, que na verdade é um grande complexo, com pátios internos e tudo. Passamos por um desses pátios, seguindo as placas indicativas da capela e a procura de um banheiro, que era unisex e a porta não trancava. Uma delícia. Como éramos dois, um vigiou a porta pro outro e dali fomos para a capela, que quase não se vê do lado de fora. É uma construção bem baixinha, com dois andares. Na verdade são duas capelas, construídas a mando de São Luís para abrigar a Santa Coroa, uma relíquia da coroa de espinhos e mais algumas outras relíquias. A capela de baixo tem o teto bastante rebaixado e é toda decorada de afrescos de fundo azul profundo com milhares de flores de lis, símbolo da realeza francesa. Essa capela de uso para as pessoas comuns (que não fossem da corte) era dedicada a Virgem e não possuía nenhuma passagem que desse para o segundo andar, exclusivo para a realeza, hoje tem uma lojinha de souvenirs que começa a te mostrar como os franceses sobrevivem do turismo: tem de tudo que você puder imaginar, livros sobre todos os temas medievais e religiosos (apenas cristãos, claro), miniaturas medievais, tapetes, almofadas e toalhas de mesa imitando as famosas tapeçarias de época e muitas inutilidades que você fica morrendo de vontade de comprar.
Dali, você sobe para a capela de cima por uma escada em espiral bem estreita, que apesar de moderna se encaixa tão bem com o lugar que nem dá pra perceber que ela é posterior à construção. Quando se chega na capela superior, você simplesmente perde o ar. Não tem paredes! Apenas vitrais! Compridos e finos, absurdamente coloridos e estonteantes. Todos os detalhes em pedra são pintados, tudo tem um detalhe diferente pra você ver, é uma loucura tão grande que você não sabe pra que lado olhar. E tem os vitais coloridíssimos, com predominância de vermelho e azul, que contem círculos com cenas religiosas, organizadas de forma a seguir os livros da bíblia e também de acordo com o lugar que os personagens reais ficavam dentro da capela durante os ofícios.
Pra melhorar a situação, colocaram pendendo do teto de quase 14 metros de altura diversos candelabros, que quando acesos (hoje por lâmpadas imitando chamas de vela) deixam o ambiente ainda mais impressionante pois ressaltam os dourados das pedras e das paredes. Você sai de lá meio tonto de tão bonito que é.
E foi assim, com dificuldade de andar em linha reta e sem conseguir prestar atenção direito nas coisas e saímos de lá e fomos para A igreja de Paris: Notre Dame.
A catedral te enfeitiça no momento que você a vê: o número de detalhes na sua fachada oeste (a mais conhecida, que tem o portão principal) é tão impressionante, e tudo está tão conservado que é difícil você se lembrar de entrar na igreja. Mas nem sempre foi assim, construída no estilo gótico durante os séculos XII e XIII, e sendo aperfeiçoada até metade do século XIV, ela quase foi demolida em diversas ocasiões: primeiro, no século XVIII, a desculpa era que o estilo gótico era considerado bárbaro e sombrio demais, porém não havia dinheiro para uma nova catedral (os nobres estavam ocupados construindo seus suntuosos chatêaux e não queriam gastar com a igreja), então os franceses se contentaram em mudar toda a estatuária interna e fazer pequenas demolições também internas para tentar modernizar a catedral, além disso destruíram grande parte dos vitrais e substituíram por vidros brancos a fim de aumentar a luminosidade, e também destruíram parte do tímpano central da entrada principal para facilitar a passagem das procissões. Depois, durante a revolução muitas estátuas foram decapitadas por serem julgadas como representações dos reis da França (na verdade representavam os reis de Judá, mas os revolucionários também não são conhecidos por seu profundo conhecimento religioso, não é mesmo?), e muitas outras mais acabaram sendo destruídas também para se utilizar as pedras.
Após a revolução, fizeram pequenas obras de urgência no edifício apenas para poder sacrar Napoleão como imperador. Mas o estado geral era tão lastimável que logo logo já estavam novamente pensando em destruir tudo, pois não havia razão para manter aqueles escombros de pé. Foi nessa época que Victor Hugo escreveu o célebre romance "Notre Dame de Paris" (O Corcunda de Notre Dame), o que fez reviver o gosto dos parisienses pela construção e em pouco tempo surgiu uma campanha pela sua restauração. Após muitas confusões com o dinheiro e os valores para tal empreitada, a catedral foi restaurada, porém com muitas modificações, já que havia poucos registros intactos dos seus detalhes originais, e outras catedrais acabaram sendo usadas como inspiração pelos restauradores.
De qualquer forma, a construção impressiona muitíssimo por fora, e é difícil se concentrar e entrar na fila para adentrar a Catedral. Uma vez do lado de dentro, o seu tamanho é realmente fora de série, você fica imaginando como devia ser estarrecedor estar ali na idade média, devia ser mesmo considerada a morada de deus, pois homem nenhum poderia ser capaz de construir tal coisa. Os vitrais restaurados das rosáceas são realmente muito bonitos e dão um ar todo especial. Mas fora isso, a catedral não me tocou tanto. Não sei se foi o excesso de gente (mal dá pra andar e não é possível observar direito as paredes e as capelas), a impressão forte que as outras igrejas que tínhamos visto até aqui haviam deixado, ou simplesmente cansaço e fome, ou mesmo um pouco disso tudo. Só sei que saí da catedral meio decepcionada, com o exterior tão fantástico o interior deixou muito a desejar.
Por conta disso ficamos pouco tempo dentro da igreja e resolvemos passear do lado de fora mesmo, tomando bastante tempo para ver e fotografar seus arcos botantes e gárgulas. Em volta (na verdade ao lado direito da fachada) e atrás da catedral há um jardim muito agradável e a observação fica muito mais interessante, e calma, diga-se de passagem, porque a maioria dos turistas olha apenas a fachada e a parte interna, deixando os jardins bem mais civilizados. Tentamos também visitar a cripta, que tem um museu com fundações antigas, ainda de Lutécia (nome romano de Paris para os desavisados ou aqueles que não leram Asterix), mas ela estava fechada naquele dia, e eu tentei convencer o Caike a subir a torre, mas a fila e o medo de altura dele foram mais fortes que os meus argumentos.
Dessa forma, depois de saciados, atravessamos a ponte que liga a Île de la Cité à Île de Saint Louis a procura do famoso sorvete Bertillon. O toldo verde escuro é facílimo de achar e ao olhar os sabores dos sorvetes percebemos que estávamos mesmo era com fome, e acabamos trocando os sorvetes pelo menu completo com direito a vista para a catedral. Foi uma das melhores refeições que fiz na França, pedimos de entrada scargots ao pesto e uma espécie de sopa de legumes (d-i-v-i-n-a), de prato principal pedimos (nós dois, então eram dois pratos) fígado de vitela ao porto, e de sobremesa o Caike escolheu uma salada de fruta que eu juro que é a mais bonita que eu já vi e eu optei por um bolo de chocolate com menta. Tudo regado a cerveja Leffe para ele e vinho quente pra mim. Uma maravilha gastronômica.
Restaurados pela divina culinária francesa, fomos dar uma volta pela ilha e demos de cara na porta da igreja Saint Louis (não seria a única vez), dali pegamos a ponte que leva para perto do instituto árabe e resolvemos fazer um caminho alternativo. Estávamos mesmo inspirados, pois esse caminho se revelou fantástico.
Primeiro, logo depois de passarmos em frente ao instituto, o que já é muito interessante de ver com sua arquitetura moderna, encontramos diversas livrarias maravilhosas especializadas em cultura árabe, com a maior parte dos títulos escritos em árabe mesmo. O Caike teve a paciência de entrar comigo em todas elas pra procurar livros sobre dança do ventre... o que foi muito irônico, pois em todas elas o único livro disponível era de uma americana traduzido para o francês. Quem diria? Mas uma dessas livrarias vendia também cds! Originais e a preço de banana. Eles eram tão originais que eu precisei da ajuda do vendedor para escolher, afinal eu ainda não leio árabe. O rapaz foi muitíssimo atencioso, separou pra mim os títulos que davam pra dançar e aqueles da Oum Kalthoum, e ainda me disse qual cd dela tinha a música que eu estava procurando. Saí de lá muito mais carregada do que eu estava planejando, mas feliz (eu ainda não sabia o quão carregada eu estaria no final daquela semana).
Continuamos nosso caminho improvisado e acabamos por passar por um resquício de um muro do século XII, que era uma das muralhas que protegiam a cidade medieval, a "enceite Philippe Auguste", coisa que eu nem sabia que existia ainda em Paris, e que fica bem no meio de duas casas, fazendo parte de uma das paredes de uma delas.
Impressionados com esse tesouro arqueológico encravado no meio da rua, continuamos a andar e passamos em frente a uma ex-igreja, a antiga Eglise Sainte Genoviève, que hoje é um liceu, bom, na verdade, o que sobrou da igreja foi usado para construir a escola, mas a localização é a mesma. Do lado fica a Eglise Saint Étienne du Mont. Resolvemos entrar. E descobrimos um tesouro!
Originária da antiga igreja de Santa Genoveva (padroeira de Paris), a igreja foi construída para aumentar a capacidade de receber fiéis da primeira, porém foi dedicada a Saint Étienne porque a catedral da cidade já não era mais dedicada a esse santo. Sua construção começou no século XV e ela só foi terminada em meados do século XVII. Por conta disso ela mistura diversos estilos.
Ela é extremamente iluminada por dentro, contando com a ajuda da cor das pedras utilizadas que são branquíssimas, possui duas escadas em espiral mais ou menos na altura do transepto que são de uma beleza ímpar, e ainda guarda dentro dela os túmulos de Pascal e Racine. Como se não fosse suficiente, é também dentro dela que está depositada a urna funerária da Santa Genoveva, que é uma obra de arte belíssima.
Sua impressão é tão forte em mim que tenho até dificuldade de escrever sobre ela. Tem que estar lá pra sentir isso, não dá pra descrever em palavras.
Dali, extasiados pela surpresa, fomos ao Panteão. Estava chovendo, e por isso corremos para não nos molharmos e entramos meio aos trancos e barrancos na construção que era para ser a nova igreja de Santa Genoveva, mas acabou virando um monumento republicano para servir de homenagem a grandes figuras da história da França.
O Panteão é uma parada obrigatória em Paris, não só por sua importância arquitetônica e histórica, mas principalmente por sua beleza. O lugar é lindo de morrer, todas as paredes possuem afrescos da vida de Joana D'Arc ou de Santa Genoveva, incluindo pinturas famosas da "pucelle d'Orléans", não tem um pedacinho do teto que também não seja pintado, e por sua construção ser do século XVIII ela é muito iluminada. Pra quem gosta de ciência é nele também que se encontra um dos experimentos mais famosos do mundo: o pêndulo de Foucault. Enfim, é um prato cheio pra turista algum botar defeito. Dá pra ficar horas observando as paredes e os tetos do lugar, mas já estávamos cansados e fomos bem mais modestos, ficamos só uns 45 minutos. Depois fomos a cripta.
Ah, sim, por ser originalmente uma igreja, tem uma cripta. Enorme. Enorme mesmo! E é nela que se pode fazer homenagem a diversos personagens ilustres: Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Lagrange (o famoso matemático), Victor Hugo, Émile Zola, Louis Braille (que criou o braille...), Pierre e Marie Currie (prêmios Nobel da física) e Alexandre Dumas (que não respondeu porque os 3 mosqueteiros são 4...), e mais um monte de gente importante mas que eu não sei quem são por puro desconhecimento histórico. Enfim, é imperdível.
Quando saímos, olhamos para o céu ainda claro e chegamos a conclusão de que a noite era uma criança. Pegamos o metrô e fomos direto para o Arco do Triunfo. Após uma pequena confusão com a saída certa e a forma de chegar ao Arco (só tem passagem subterrânea, tentar atravessar aquela rua é suicídio), estávamos aos pés daquele colosso. Parece muito maior de perto do que de longe, e estava a maior confusão. Um monte de guardas e cordões de isolamento protegiam algumas pessoas que estavam visitando o túmulo do soldado desconhecido. Enquanto o Caike via perfeitamente o que estava acontecendo, eu tive que esticar o pescoço e me esgueirar no meio das pessoas pra ver quem estava lá. Nem ele nem eu reconhemos nenhuma delas (um senhor uniformizado parecendo militar e uma mulher mais jovem, que não era a nova senhora Sarkozy apesar de aparentar a mesma idade). Com aquele monte de gente esperando os ilustres terminarem a sua visita para começar as suas próprias, achamos que era mais produtivo subir para ver a vista.
Agradeço muito por aquela confusão, acho que se não fosse por ela (e pelo museum pass) o Caike não tinha topado subir as escadas. Ah, sim, são 50 metros de altura sem elevador numa escada em espiral de te deixar tonto.
Chegando lá em cima, tem um espaço que mais parece um museu, onde você pode aproveitar para conhecer os detalhes dos relevos do Arco enquanto espera os seus pulmões chegarem. Para isso tem um brinquedo muitíssimo interessante: é uma miniatura do arco do triunfo presa à uma mesa que você pode girar 360° e uns botões que você usa para escolher a altura. Conforme você vai girando a peça e escolhendo a altura, as imagens dos relevos correnpondentes à região escolhida do arco são projetadas num telão com direito a explicações históricas. Divertidíssimo!
Após a pausa pra descanso, são poucas as escadas a subir para o topo da construção e ter uma vista sensacional! Bom, o Caike não achou tão sensacional assim, pois mal conseguia chegar perto da grade e foi difícil tirarmos uma foto com Paris ao fundo... mas ele se superou e conseguimos! Fiquei felicíssima! E a foto ficou linda! Também, com aquela paisagem não tem como errar. Depois dessa, o Caike começou a se sentir mais à vontade e pudemos ver a distância que havíamos percorrido nos dois dias anteriores... fiquei impressionada comigo mesma, e comecei a acreditar que realmente aguentaria aquela viagem até o fim, pois meus planos incluíam muita, mas muita caminhada.
Pudemos então descer felizes, eu por ter tirado fotos maravilhosas de Paris, o Caike por estar voltando ao chão. Aproveitamos que a confusão havia acabado e pudemos observar o túmulo do soldado desconhecido, onde há uma chama eterna.
Depois de satisfeitos e confiantes por termos sobrevivido àquela escada monstruosa, achamos que conseguiríamos caminhar pela Champs Elysées até a Place de la Concorde, para vermos o obelisco. Apesar de uma chuva chata e fina fomos caminhando e procurando lojas de eletrônicos, onde o Caike procurava um jogo que estava para ser lançado e um hd externo, além de livrarias e lojas de música, onde eu procurava livros da Amélie Nothomb e presentes para os meus pais. Chegamos à conclusão de que não há lojas especializadas em eletrônicos, mas a Fnac e a Virgin podem subtituir quase qualquer loja, encontramos tudo o que procurávamos nelas, desde jogos e produtos eletrônicos até cds de dança oriental baratíssimos, além de uns 10 pocket books da minha escritora belga favorita, um livro de dança do ventre, e claro, os presentes dos meus pais.
Chegamos à praça carregadíssimos e pensando que tínhamos exagerado ao acharmos que sobreviveríamos àquela caminhada. Estávamos tão cansados e com tanto frio que mal conseguimos admirar o obelisco, que veio de Luxor, no Egito, em 1836, oferecido pelo governo egípcio mesmo, em agradecimento e homenagem a Champolliom, o francês que foi o primeiro a traduzir os hieróglifos. E olha que aquele gigante é lindo de morrer, coberto de hieróglifos que celebram a glória de Ramsés II. Nos contentamos com o esforço de tirar fotos enquanto tremíamos e depois fomos catar o metrô mais próximo. O que, diga-se de passagem, foi difícil de encontrar devido à nossa cegueira pelo cansaço. Demos uma olhada rápida na Madeleine antes de nos enfiarmos debaixo do solo, e fomos direto para o hotel, aproveitando apenas para passar numa vendinha e nos abastecermos de pão, queijos e salame para o meu jantar. O Caike resolveu comprar um sanduíche no Quick, uma loja no estilo do McDonald's, só que francesa. Ele até tentou tirar uma foto do cardápio da multinacional e onipresente rede americana que havia ali perto, mas era proibido. Ele só queria poder provar que o quarteirão com queijo na França se chama mesmo Royale.
Chegando no hotel, foi só comer, lavar roupa e dormir feito pedra. O dia seguinte prometia chuva e mais caminhada.


27 de abril - Museus e Monumentos





O dia começou cedo, bem cedo, porque queríamos tomar café na rua mesmo, antes de começar o café do hotel, pra começarmos a ver coisas o mais rápido possível a aproveitar o máximo do dia.
Ledo engano. Paris (mais tarde descobri que toda a França) não acorda cedo. Era mais de 7h da manhã e não tinha nada aberto. Nada, nadinha. Nem uma padaria, nem um bistrô, nem uma venda de produtos gerais de alimentação (é mais ou menos essa a tradução pra esse tipo de loja, "alimentation generale", coisa de francês). Tudo abriria a partir das 9h.
Andamos pelas ruas morrendo de fome, procurando algum lugar, qualquer um, que tivesse comida de alguma espécie, pensando que não era possível uma cidade grande como Paris não ter nada aberto aquela hora. E, acredite, é possível, não tem mesmo.
Só fomos achar alguma coisa quando bateu 8h e já estávamos em frente ao nosso primeiro objetivo do dia, a igreja Saint Germain de Près, que como todo bom monumento/igreja/museu da França só abre a partir das 9h. Isso quando eles abrem cedo, pra garantir não ficar esperando não chegue antes das 10h caso você não saiba o horário de abertura.
Bom, estávamos famintos e decepcionados com a porta fechada. Porém em frente tinha um lindo bistrô aberto, tinha até umas 2 mesas já ocupadas por pessoas tomando lindos desjejuns, com pães suculentos, chá, café, chocolate... fomos até lá determinados a comer independentemente do preço. Quando vimos o valor estampado no menu quase desistimos... mas nossos estômagos fizeram birra e tentamos contornar um pouco a situação dando uma de brasileiros, perguntamos se não podíamos pedir um café da manhã para nós 2 dividirmos e uma bebida quente extra. O garçom aceitou. Menos mal. Sentamos, dividimos o café da manhã que pareceu muito menor e menos variado que nas outras mesas (provavelmente porque pedimos o mais barato que tinha no cardápio e os outros deviam ter orçamentos muito melhores do que o nosso). De qualquer forma, enquanto estávamos lá, saquei meu guia de Paris da mochila pra ver o horário da Igreja, coisa que eu não tinha feito anteriormente, e pude constatar que realmente nosso plano inicial de madrugar não daria em nada além de fome e portas fechadas. Mas, também descobri que estávamos sentados num café muitíssimo famoso, o Deux Magots, onde outrara filósofos como Sartre se reuniam para discutir, quer dizer, para beber e, obviamente, filosofar. Agora eu entendia a razão do preço absurdo daquele lugar, a fama e a folosofia podem ser muito caras.
Depois do café, desistimos de esperar a Igreja abrir e resolvemos caminhar direto para o nosso objetivo seguinte: Museu D'Orsay. Apesar de chegarmos meia hora antes do dito cujo abrir, já tinha fila, e ela não era pequena. Conforme tentávamos descobrir em qual fila devíamos entrar (tinham duas, mas as sinalizações ao invés de ajudar atrapalhavam), mais gente ia chegando, nos deixando agoniados. Um cara de terno, que era uma espécie de segurança do museu (esses trabalham 24h aparentemente) nos ajudou e finalmente entramos na fila certa. Esperamos um bom tempo no frio da manhã nublada, não só até o museu abrir, mas depois também, porque além da porta giratória só permitir que poucas pessoas passem de cada vez para dentro do prédio, assim que você entra tem de passar por um detector de metais e mais uns guardinhas que pedem pra ver dentro da sua bolsa ou mochila (procedimento de praxe em todo museu europeu, vou logo avisando).
Finalmente chegou a nossa vez, passamos pelo detector, que ficou bem quietinho, e fomos comprar a melhor coisa de Paris pra quem gosta de museu: o Museum Pass! Pegamos o que valia pelo maior número de dias, seis, pagamos caro, porém não gastaríamos mais nada com entradas em praticamente toda a viagem, com a grande vantagem de ter o poder de furar fila porque sim. Se você for entrar em mais de 5 museus e mais uns 4 monumentos listados no passe, já está valendo. Como nossa lista era grande, nem pensamos duas vezes.
Até porque, como desconfiávamos, esse passe é a glória nos momentos de filas gigantescas, você se sente muito importante passando por todas aquelas pessoas esperando em pé até chegar na entrada especial que a maioria dos monumentos e museus de Paris tem para quem comprou o passe.
Mas voltando pro museu onde estávamos, compramos nossos tiquetes pro paraíso e fomos logo alertados de que tínhamos que deixar nossas mochilas no guarda-volume. Outra praxe chatíssima na europa: bolsas grandes e mochilas (pra essas o tamanho não importa, basta ser mochila) não podem entrar nas exposições. Eu resolvi me safar de deixar minhas coisas pra trás aproveitando que a minha mochila virava casaco e dei logo um jeito no problema. Já o Caike não teve opção... chegamos no guarda-volumes e fomos atendidos por um português muito simpático, que nos lembrou que pelo menos podíamos tirar fotos (sem flash!, claro).
Bom, quanto ao museu, por onde começar? O Museu D'Orsay era antigamente uma estação de trem, que inclusive foi muito usada pra receber refugiados na segunda guerra mundial. Depois de desativada na década de 70, foi reformada e transformada num museu simplesmente maravilhoso, inaugurado em 1986. Sério, é um museu que você não sabe se olha em volta ou pras obras, em sua maioria impressionistas. Lindo de morrer. Logo logo esquecemos da fome que passamos pela manhã e ficamos embevecidos com o nosso primeiro museu: Monet, Rodin, Manet, Van Gogh, Courbet... tudo tão lindo... não tem nem muito o que dizer, é o tipo de experiência que só vivendo mesmo. Cada um sente uma coisa diferente diante daquelas obras.
Depois de umas 3h de arte saímos de lá meio embriagados de cores, texturas, curvas e beleza. Já era hora do almoço... e a fome deu novamente o ar de sua graça. Fomos procurar um bistrô legal a caminho dos Invalides, um monumento que mistura museu, igreja e túmulos. Mas já vamos chegar lá.
Achamos um muito simpático, numa rua bem estreita e calma, o Sud Café. Aliás, recomendo. Comemos um macarrão muito bem feito, com carne e um vinho do Rhône fabuloso (aliás, mesmo o vinho mais barato na França é fabuloso, é impossível errar). Tudo com muito, muito açúcar, por conta da música romântica no fundo, pra fazer o clima do nosso aniversário de 2 anos de namoro. O dia que tinha começado meio esquisito já tinha ficado perfeito.
Depois fomos ao Invalides, que tem origem na vontade muito nobre do rei Luís XIV de criar um lugar que desse apoio aos inválidos do exército francês. Daí a origem do nome e toda a sua ligação com os militares durante toda a sua existência. Tanto que no complexo hoje existe o museu militar da França, com 2 exposições que nós decidimos não visitar por pura falta de tempo e por questões de prioridade entre os museus: uma de armas através da história e outra da segunda guerra. Mas fomos direto ver a Catedral de Saint-Louis-des-Invalides, que é de-tirar-o-fôlego... e atrás da catedral fica o famoso Dôme, onde está suntuosamente enterrado Napoleão e mais um monte de generais importantes. É intrigante ver como um homem tão pequeno deu origem a um túmulo tão grande... e mesmo assim, tenho certeza de que o ego dele não caberia ali.
Todo o Dôme é uma ode ao que Bonaparte fez em vida, com altos relevos por todas as paredes, trazendo-o como César, e com descrições de conquistas ou de decisões importantes e revolucionárias que ele tomou (como tornar a escola primária pública e universal). Muito bonito, vale a pena visitar, e se você souber francês, é uma atração a parte ler os feitos napoleônicos. Deixa também você imaginando como não deveria ser na época em que aquela imensa cúpula dourada era mesmo revestida de ouro, que quantidade absurda do valioso metal não deveria ser necessária pra cobrir aquela coisa imensa... hoje é só tinta dourada, mas continua espantoso.
Saímos de lá animados para a próxima atração do dia: o museu Rodin.
Não é um museu grande, mas de todos os museus de Paris é o mais agradável de visitar, ainda mais num dia bonito como aquele, com sol mas algumas nuvens pra deixar mais ameno. É simplesmente o clima perfeito pra visitar esse museu-jardim. A concepção é genial: as grandes obras de Rodin estão expostas ao ar livre, no jardim da casa que abriga o museu, no meio das flores e de muito verde.
As obras de menor dimensão ficam dentro da casa, o antigo Hôtel Biron, do século XVIII, onde Rodin viveu no início do século XX e que deixou para o estado juntamente com sua coleção pessoal de esculturas, além de quadros de Van Gogh e Renoir, com a condição de que a casa fosse transformada num museu que levasse o seu nome e abrigasse suas obras (espertinho ele, não?).
Eu que sou fã de Rodin fiquei maluca com aquilo... é mesmo muito bonito, e toda aquela genialidade dele junta é de matar do coração... tiramos fotos de quase todas as obras expostas (impossível de segurar o dedo na máquina digital), e de quebra ainda tiramos um rápido cochilo num dos bancos do jardim, que foi feito mesmo pra ser aproveitado, cheio de bancos bem espaçosos e espreguiçadeiras. Simplesmente uma delícia.
Depois de algum esforço pra deixar aquele pedaço do céu na terra, fomos andando até o Campo de Marte, o gramado enorme que fica em frente a Torre Eiffel. E no caminho compramos uma enorme baquete, salaminho, queijo e suco de laranja. Fizemos o que os parisienses adoram fazer: um piquenique ao ar livre! Observando nada menos que a Torre, e os diversos franceses e turistas (em menor número, a maioria dos turistas não pára ali, está apenas de passagem para visitar a torre), todos aproveitando o restinho de sol (já era umas 18h, mas ainda faltava umas 3 horas pro pôr do sol). Aí que comecei a perceber que os parisienses realmente usam os espaços públicos! A quantidade de pessoas reunidas ali depois do expediente para tomar vinho e comer alguma coisa era espantosa! Fora as famílias com suas crianças e/ou cachorros todos brincando de bola, peteca, ou algo do gênero. Fora as pessoas sozinhas, com suas garrafas de vinho e seus livros (como se lê em Paris!)... e todo mundo usa canga pra se sentar no gramado! Se fosse areia, seria que nem a praia de Copacabana no verão, só que com pessoas vestidas, silenciosas (apesar de muito animadas!), educadas, sem pivete, e nem guarda-sol.
Ficamos ali matando tempo e descansando os pés por uma hora, pois pela nossa programação o dia ainda ia render muito. Quando cansamos de ficar parados, nos levantamos e fomos conferir a torre de perto, passamos por baixo dela, nos horrorizamos com os tamanhos das filas e fomos ver como era a vista dela do outro lado do rio, do Trocadéro.
Bom, vou só dizer uma coisa: é uma farofada só. Se já tem camelô debaixo da torre (e eles são raros na cidade, e inexistentes no resto do país), o Trocadéro parece ser o seu habitat natural. São muitos! Um do lado do outro, fora os que ficam circulando, oferencendo na maior parte das vezes chaveirinhos com miniaturas da torre, por um preço ridículo se comparado com qualquer loja de souvenirs (fica a dica!).

Pausa pra reflexão: para um país famoso por sua predileção por cachorros à crianças, os franceses adoram mimar seus filhos com carrosséis... só perto da Torre Eiffel tem uns 2!

Aproveitamos para tirar mais fotos ainda e descansamos mais um pouco. Quando vimos que nosso horário estava folgado, pois nosso piquenique era também o nosso jantar, resolvemos aproveitar e acrescentar mais um ponto turístico no nosso roteiro: a praça Vendôme! Pegamos o metrô e chegamos bem rapidinho.
Essa praça é conhecida por sua coluna de bronze (totalmente esverdeado pela exposição ao ar livre) e por suas lojas chiquésimas. Por conta da hora, parecia que ela era só nossa, pois estava completamente vazia! Pudemos admirar com toda a calma a coluna, que conta com 280 metros de descrição de cenas de batalhas numa espiral que vai subindo até o topo da coluna, onde tem uma estátua de Bonaparte, de data posterior ao resto da coluna. Dizem que o seu bronze provem de 1200 canhões russos e austríacos, tomados durante guerras, porém os especialistas acham que foram apenas uns 130 tomados em Austerlitz. Nada como a propaganda governista. Aliás, essa coluna é também protagonista de um episódio muito interessante, envolvendo um artista e a comuna de Paris (episódio muito importante na história da cidade, e ao qual voltarei a falar em outro dia desse diário).
Antes do estouro da comuna, o famoso pintor Gustave Courbet (aquele que pintou uma vagina bem no meio de um quadro e denominou-o "Origem do Mundo"), que era bem chegado a uma opinião política forte e socialista, fez uma petição ao governo pedindo a destruição do monumento. Obviamente que o episódio criou um grande frisson e o artista foi duramente criticado, inclusive isso acabou afetando e muito o seu trabalho na época, que deixou de ser aceito nos salões. Depois de um tempo, a poeira baixou. O problema, é que quando se iniciou a comuna, em 1871, ele participou ativamente, claro, e os dirigentes dessa, apesar dos apelos do pintor, resolveu mesmo derrubar a dita cuja, proclamando que "A Comuna de Paris considera que a coluna imperial da Praça Vendôme (na época e estátua que existia no topo era de Louis XIV) é um monumento à barbárie, um símbolo da força bruta e da falsa glória, uma afirmação do militarismo, uma negação do direito internacional, um insulto permanente aos vencedores e vencidos, um atentado perpétuo a um dos três grandes princípios da República: a Fraternidade!" Eles eram avançados demais pra sua época, né? Não é a toa que foram exterminados, mas isso é outra história.
Depois de extinta a comuna, Courbet ficou eternamente manchado com a culpa colocada em suas costas como o grande autor e responsável pela idéia de derrubar a tal coluna, que obviamente foi devidamente recolocada no lugar, e a estátua em seu topo (que foi a única peça realmente partida em pedacinhos) substituída pela atual. Ah, e o preço dessa recolocação e restauração foi cobrado inteiramente do artista, uns 323 mil francos na época, uma fortuna que o arruinou financeiramente, pois ele não tinha todo esse dinheiro. Resumo da ópera: confiscaram absolutamente tudo que ele tinha por conta da comuna e ainda exigiram esse pagamento, depois de refugiado na Suíça, ele consegue um acordo para pagar o valor em prestações de 10 mil francos por ano por 33 anos. Mas isso tudo foi demais pra ele, e Courbet acabou falecendo antes mesmo de pagar a primeira parcela.
Acabada a pequena aula de história e voltando ao nosso passeio, dali fomos para a agência de turismo francesa onde tínhamos comprado pela internet um pacote de city-tour noturno (para ver os monumentos iluminados), seguido de um show no Moulin Rouge!
Como eu estava morta de cansada de ter acordado cedo e passado o dia inteiro andando, somando-se ao fato de que eu já tinha visto quase todos os monumentos mostrados no tour, fiquei batendo cabeça no ônibus o tempo inteiro... mesmo assim, posso fazer a seguinte afirmação: Paris é mesmo a cidade luz! Mas você precisa rever o seu conceito de iluminação antes de concordar... esqueça as luzes ostensivas das grandes metrópoles poluídas por neon e tvs gigantescas. Paris tem classe. Sua iluminação é aquela escolhida pelos arquitetos, serve para preencher e valorizar os espaços e a arquitetura dos prédios, não para deixa-los chapados como a cara de uma pessoa perto demais do flash. Portanto, ela é mais sutil e indireta, e deixa alguns lugares na penumbra para valorizar outros. E ela é incrivelmente coerente pela cidade inteira. Até mesmo a Torre Eiffel com aqueles pisca-piscas todos, que eu achava muito brega, combina perfeitamente com o conjunto de monumentos iluminados e fica espetacular. Pena que com o ônibus em movimento não dá pra tirar fotos. Resumindo, é realmente um tour bonito de ver, e mais impressionante ainda se você vir as coisas iluminadas antes de vê-las durante o dia.
Depois fomos levados até o Moulin Rouge para o espetáculo Férie (em tradução livre minha "feérico"). O que dizer do show? É um tanto quanto perturbador: nunca imaginei que mulheres semi-nuas pudessem se transformar em algo tão GAY. Esqueça o cabaret do século XIX e o filme, o show é GAY, muito GAY. Logo se percebe que o produtor daquilo é viado, o coreógrafo é tão gay que não sabe o que é sensual na mulher, o compositor solta purpurina pelos poros e o estilista, bom, melhor nem comentar, é uma "queen". Você ri muito durante o espetáculo, pelo completo non-sense e impossibilidade estética e teórica do que está assistindo. O show conta pequenas histórias, que as vezes se conectam, com direito a um casal oriental que se apaixona mas é obrigado a se separar, aí a mocinha é seduzida por um europeu, que a joga entre cobras! Literalmente. Juro que sobe do chão uma piscina de vidro (de forma que você vê tudo debaixo d'água) onde a mulher é jogada, no meio de cobras de verdade que nadam no meio das águas, não antes da atriz gritar estericamente. Claro que no final, o casal se reencontra, só que à moda Peter Pan, sobrevoando a platéia, iluminados por luz negra e por uma lanterninha que os próprios atores seguram para iluminar os seus rostos. É engraçadíssimo!
Aí você pensa, bom, realmente engraçado, mas não pode ficar pior do que isso. Ledo engano, o elenco todo ainda canta "I will survive". Aí você pensa, é o fundo do poço! Ledo engano. Você ainda vai ver todo o elenco, incluindo os homens (tem homens!!!! Só que eles estão sempre devidamente cobertos, quer dizer, quase sempre) entrar no palco por uma escada que desce do teto cobertos dos pés à cabeça de cor-de-rosa-choque e plumas, muitas plumas, em trajes iluminados (literalmente! com lâmpadas e tudo!)
Só não piora mais ainda porque o espetáculo acaba, e você está com dor de barriga de tanto rir. Meninas, não tentem assistir ao show de maquiagem pesada, ela não vai resistir.
Além de tudo isso, o show possui pequenos intervalos para as bailarinas e bailarinos trocarem de roupa (as mulheres trocam apenas os fios dentais, saltos agulha e fios que ressaltam que estão com os seios de fora), que são ocupados por números circenses, esses muito bons, não tem onde pôr defeito.
Todo o show tem apenas 5 minutos do que realmente queríamos ver: cancan. Mas são belos 5 minutos que fazem a platéia vibrar! É emocionante! E você consegue vislumbrar o quê que é o cabaret original, e a razão das bailarinas não serem tão boas nas outras coreografias: elas sabem mesmo é dançar cancan!
Acabado o espetáculo, estávamos nós também acabados. Graças a Deus a companhia de turismo providencia o transporte até o seu hotel, senão estávamos fritos, porque o show acaba depois de 1h da manhã, quando o metrô já fechou.
Voltamos ao hotel com fome por causa da hora, mas estávamos tão cansados que só queríamos dormir. Chegamos lá, e o cara da recepção estava deitado numa cama estendida no micro salão usado para o café da manhã. Ele nos indicou que a nossa chave estava no balcão e só se preocupou quando eu entendi que ela estava nos lugares onde se guardam as chaves dos quartos, do outro lado do balcão. A chave estava do lado de fora, em cima da mesa mesmo. Como eu iria ver naquela escuridão que elas estavam ali? Mas enfim, conseguimos subir e capotamos. Mesmo. O dia seguinte também seria cheio.


25/26 de abril - A CHEGADA



Chegamos na Europa por Madrid, num vôo muito tranquilo da Ibéria, onde já fomos logo começando a degustação de vinhos. Eu pedi um branco e o Caike um tinto, ambos espanhóis, mas muito bonzinhos (naquele momento eu os classifiquei como muito bons, mas meu nível subiu depois de 30 dias na França, fazer o quê?). Bom, troca de copos pra lá, garrafas miniatura pra cá, os vinhos resultaram num sono maravilhoso... nada como álcool em quem não bebe pra fazer dormir. Era tudo que eu precisava pra começar as minhas férias.
Chegamos na migração espanhola mortos de medo por conta da novela das autoridades espanholas com os turistas brasileiros. Não sei se foi por causa das nossas caras de turistas inocentes e que voltariam pra casa, nossos passaportes já carimbados (o meu com o Japão, o do Caike com visto americano e uma entrada na Espanha no ano anterior, a caminho da Inglaterra), simplesmente sorte ou se as coisas realmente mudaram, só sei que não pediram nada, nem reserva de hotel, nem passagem de volta (pra mim, pelo menos), nem quantia de dinheiro sendo levada, fizeram uma meia dúzia de perguntas apenas pro Caike (a última foi "Ah, você esteve aqui ano passado?") e carimbaram tudo. Muito mais fácil do que eu imaginava (estava tão preocupada que levei tudo: carteira de trabalho assinada, contra-cheque...).
Beleza, agora só faltava achar o terminal da nossa conexão para Paris. Sério, como o aeroporto de Barajas é grande! Tomamos um trem (é sério, parece mesmo um metrô) que demora uns 3 ou 4 minutos se deslocando dentro do aeroporto e andamos, andamos e andamos para conseguir chegar no local indicado no bilhete. Só para descobrirmos que o vôo tinha mudado de portão e sairia de onde chegamos. Palhaçada. Mas estávamos a caminho de Paris! Fazer o quê? Andar, andar, andar, pegar trem, andar, andar e andar. Ainda bem que nossas malas iam direto.
Já era meio dia quando finalmente embarcamos, após um lanchinho rápido mas muito providencial numa lanchonete em frente ao portão de embarque, e que, por sinal, foi a salvação, já que nos vôos dentro da Europa (pelo menos nos da Ibéria Madrid - Paris) bebida e comida são pagos a parte, e no cartão de crédito. Um absurdo, na minha opinião, mas fala sério, eu tava mais era querendo chegar logo a Paris!
Chegamos bem mais cedo do que esperávamos, o que foi ótimo! Nossas bagagens não se perderam e logo achamos nosso translado! Dica: não paguem translado do aeroporto de Orly para Paris, a não ser que o horário do seu vôo de volta ou horário de chegada seja bizarro (entre 1h e 5h da manhã), não vale a pena o preço. Mas pelo menos o nosso motorista era muito simpático, um brasileiro mulatão que morava há sei lá quanto tempo na França. A vantagem é que ele nos deu muitas dicas sobre metrô e ônibus, além de um mapa da cidade (eu já tinha um, mas éramos 2, melhor ter um pra cada, né?). A desvantagem é que nem ele sabia direito como chegar no nosso hotel, que apesar do nome (Hôtel du Brésil) não é muito conhecido pelos brasileiros, que ficava numa ruazinha tão obscura que nem nos mapas mais detalhados de Paris aparecia.
Finalmente chegamos no hotel, pegamos a chave do quarto, eu subi com minha mala pelo elevador/caixão (sério, cabiam só 3 de mim dentro dele, e uma do lado da outra) enquanto o Caike subia de escada os 3 andares. Largamos tudo lá e resolvemos que, pela hora, dava pra visitar a galeria Lafayette mais famosa e mais distante do hotel. Saímos, tivemos nossa primeira experiência com o crepe francês pedindo um na porta do metrô (um cara muito grosso que brigou com um pedestre, ou com a gente, eu não sei dizer), entramos no metro e lá fomos nós!

Pausa para 2 momentos de reflexão:
Primeiro: jamais peça comida na rua em Paris e observe como a pessoa prepara a comida. A não ser que você não queira comer.
Segundo: o metrô de Paris pode ser fantástico na sua rapidez e na sua extensão, mas é feio, muito feio, e dependendo da estação fede muito a mijo. Não crie expectativas positivas quanto a isso, se prepare para a sujeira, pedintes e franceses suados e malcheirosos.

Eu não dava muito coisa pra essa galeria antes de conhece-la, mas, falando sério, vale a pena. Ela é linda! Tem uma cúpula belíssima vista de dentro... muito legal mesmo. Isso quando se acha o prédio certo, porque as galerias Lafaytte são, na verdade, um conjunto de prédios, um só de coisas de casa, outro só de roupas masculinas (o homem francês é absurdamente vaidoso) e as famosas galerias com a tal cúpula art noveau de 1912. Essas em especial, são interessantes de visitar, pois são uns 5 ou 6 andares com lojas espalhadas do tipo estande, mas só de marcas "alto nível" - Chanel, Dior, Yves Saint Laurent e por aí vai - pra quem gosta de fazer compras, principalmente de grife, é o céu na terra. Depois de ver o primeiro andar, só de perfumes e maquiagem, onde se tem a melhor vista da cúpula, e de onde assistimos meio pasmos a um show bizarríssimo que era pra ser uma demostração da cultura japonesa (o Japão era o tema das galerias nessa estação) mas com com modelos usando roupas e cabelos nada japoneses e uma mulher fazendo malabarismo com tecidos, resolvemos ver os andares de cima, pra ver se tinha alguma lembrancinha por um preço em conta. Mais uma dica: visite a galeria e procure coisas de marca pra comprar por um preço muito mais amigável (ainda caríssimo, mas muito menores do que em qualquer outro lugar...) e deixe as lembrancinhas pra rua Rivoli ou pra rua Mouffetard, não compre lá.
De qualquer forma fomos subindo, até chegarmos na lanchonete. Resolvemos parar, beber alguma coisa e dar uma descansadinha. Eu comprei um chá, só pra descobrir que europeus não são japoneses e o tal chá era açúcar puro... mas, enquanto estávamos sentados conversando sobre a possibilidade de na verdade ser tudo um sonho, eis que a vejo pela janela: a torre Eiffel! Sério, a tal lanchonete tem uma vista fantástica: a torre e l'Ópera! Finalmente damos umas de turistas, tiramos fotos, rimos, fizemos pose da janela... esses micos que todo turista que se preze faz. Acabada a farra, continuamos a subir, até o terraço, no sétimo andar. M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O! E começa tudo de novo, fotos, risos, poses, micos...
Descemos felizes, 2 horas depois de ter chegado, não era nem 7h e o pôr do sol ainda estava longe...fomos ver o l'Ópera de perto, o que não estava no nosso roteiro, mas ir até aquela galeria também não, e daí? Bom, só ganhamos!
Depois, descemos uma rua principal, que segundo o nosso mapa dava no Louvre, e no caminho entramos numa cave (loja especializada em vinhos) e compramos 2 garrafas, uma grande de um tinto da região do Rhône (no sul da França) e um rosê numa garrafa pequena, porque o Caike não sabia se gostava de vinho rosê.
Continuamos andando até dar numa espécie de portão, parecia importante, mas não sabíamos bem o que era... passamos pelos arcos e era o próprio, o Louvre! O prédio é lindo demais, não dá nem pra descrever... fiquei emocionada e não sabia pra onde olhar primeiro... a pirâmide, o prédio em si, o arco do triunfo... e aquela luz linda do sol se pondo atrás do arco não ajudava a escolher... sério, cena de filme, mesmo.
Dali, extasiados, fomos para as margens do rio Sena, e animados com tudo o que tínhamos visto até então e pelos parisienses fazendo piquenique em grandes grupos, resolvemos abrir o vinho rosê ali mesmo, sentados, vendo o pôr do sol e observando o rio, com seus navios abarrotados de turistas passando e acenando para a gente. Fora a vista fenomenal, o tal vinho, de 5 euros, era esplêndido!
Como minha última refeição tinha sido em Madrid, antes da conexão para Paris, o vinho subiu rápido, rápido demais, fiquei zonzinha, e foi vendo tudo meio torto que chegamos a Île de la Cité. Tudo é lindo, descobrimos uma pracinha muito graciosa, bem intimista, com um monte de parisienses jogando bocha... e fomos andando (eu estava mais cambaleando, mas tudo bem) até a Notre-Dame... que pela hora, já estava fechada, mas imponente e linda de morrer.
Nesse ponto, o meu nível alcoólico estava bem além do aceitável, e fomos jantar num bistrô já do outro lado do rio, mas em frente a catedral. Um jantar delicioso, apesar da confusão com as carnes: pedimos 2 pratos diferentes, mas os 2 ao ponto. Um veio mal passado e o outro bem passado. Nunca vou entender isso... apesar de ter chegado a conclusão que os franceses não se dão bem cozinhando carne bovina.
Depois de recuperados, fomos para a aventura seguinte: achar novamente o nosso hotel.
Foi uma confusão: eu sou muito boa de mapa, o problema surge quando eu acho que o nosso hotel fica num lugar mas na verdade ele fica em outro. Ficamos dando voltas e voltas, fomos pra um lado, andamos até cansar e chegamos a conclusão que era o lado errado. Voltamos, demos mais volta, pra finalmente nos acharmos. E percebermos que estávamos rodando que nem peru tonto em volta do hotel. Faz parte. Claro que o fato de tudo ser lindo em Paris e você querer parar a cada 2 passos pra olhar alguma coisa não ajudou. Mas deu um tempero especial.
Depois disso tudo, só mesmo banho e cama para nos preparamos para o que nos aguardava no dia seguinte.