6 de maio - Rouen - a cidade onde Joana D'Arc foi queimada

Acordei cedíssimo por conta da hora do trem e tive que deixar para tomar o café da manhã na estação. Para enganar a fome comprei um croissant e um café para comer no trem, o que dava para distrair o estômago por algum tempo, pelo menos durante a minha leitura histórica sobre Rouen, para ter uma idéia do que iria ver e o que seria mais interessante de visitar. A vista do trem ajudou bastante na leitura, porque não é nada interessante ou bonita. O trem vai seguindo o rio Sena, e tudo tem cara ou de subúrbio ou de zona industrial.

Enquanto fazia minha leitura e estudava o mapa da cidade percebi que ele era limitado apenas ao centro histórico da cidade, portanto não tinha a estação de trem. Fiquei preocupada, como iria me achar quando chegasse lá?
Quando o trem chegou, antes de resolver meu problema de localização dei um pulinho no banheiro, porque no balanço do trem não me parecia uma boa idéia atender a esse chamado da natureza, e, como sempre, tive que pagar os €0,40 para usá-lo.

Vale fazer uma pequena observação sobre os banheiros que encontrei pela Europa: a não ser que sejam dentro de estabelecimentos, ou eles são pagos ou são inutilizáveis. Os pagos costumam ser maravilhosos, nunca faltando água ou papel e sempre muito limpos. Os gratuitos são... bom... imagine um banheiro daqueles bem ruins de posto de gasolina, só que sem as baratas (elas devem ter morrido congeladas no inverno) e certamente sem papel. Como o preço para usar um banheiro nunca é exorbitante, vale muito a pena pagar uns centavinhos pelo conforto.

Fui então ao balcão de informações descobrir onde ficava a estação no meu mapa: saindo de lá era só seguir a Rue Joanne D'Arc (que aparentemente corta toda a cidade) e virar na rua do Gros Horloge (grande relógio) para chegar no Office de Turisme. Como essa rua tinha no meu mapa fiquei mais tranqüila e comecei a caminhada.
Eu havia programado um bom walking tour para esse dia e ele partia da catedral, em frente ao Office, então me segurei para não tirar fotos até chegar lá, para não ficar com fotos repetidas no fim do dia, foi uma tarefa muito difícil, mas eu consegui! No meio do caminho achei uma loja de fotografia aberta e aproveitei para parar e esvaziar o meu chip, afinal ainda não estava nem no meio da viagem e um dos meus 2 chips de 2 gigas já estava no final. Foi o dvd mais caro que eu já paguei na minha vida, mas como estava precisando e não sabia se seria fácil encontrar outra loja paguei assim mesmo. O chato mesmo nem foi isso, foi que eles ficaram com o meu adaptador e por conta disso eu tive que me virar com um chip mais antigo, de apenas 176 megas, que ainda por cima, para o meu azar, estava com umas 30 fotos dentro que eu havia me esquecido de tirar nem sei há quanto tempo. Fazer o quê? Hoje iria economizar foto. O que é uma tarefa muito difícil, apesar das casas medievais em madeira de Rouen serem muito parecidas (do meu pobre conhecimento arquitetônico são iguais mesmo) com as de Rennes e do Mont Saint-Michel (apesar desse último ter um charme indescritível que faz até a grama parecer especial).
Saindo da loja dei de cara com o tal grande relógio e fiquei embasbacada... ele é lindo de morrer... mas me segurei firme e fui em frente, pois mais tarde eu o veria com calma no meu walking tour.
Chegando na praça da Catedral você só consegue pensar em duas coisas: o estilo gótico é mesmo maravilhoso e... Monet. Sim, porque ele pintou uma famosa série de quadros dessa catedral nas diversas horas do dia para captar a diferença da luz do sol, e, adivinha: ele usou como estúdio para essas pinturas um dos quartos do prédio onde hoje fica o ofício de turismo de Rouen. Na época o tal quarto era uma loja de lingerie feminina, mas ele convenceu ($$$) o dono que ele queria mesmo era pintar a catedral e não ver as clientes, que ele jurou não incomodar.
Entrei no Office de Turisme para pegar um aparelho de audio-guide, e passei um papo nos atendentes que só queriam me ceder o aparelho se eu deixasse meu passaporte. Tive que explicar que eu não podia deixar meu documento lá porque era o único que eu tinha comigo, mas que o meu trem saía razoavelmente cedo e por isso eles não precisavam se preocupar, eu devolveria o bichinho. Nada como estar na Europa, eles acreditaram em mim e me liberaram.

Outro comentário importante: para quem for a Rouen alugue um audio-guide, que é muito bom e muito prático! Você vai andando pela cidade carregando ele e em alguns pontos ele tem uma gravação explicando tudo, essa gravação você acessa apertando o número correspondente ao lugar onde você está. Não precisa seguir ordem nenhuma, é só olhar num mapinha que vem com o aparelho o número certinho e pronto!

Fui então para a frente da catedral esperar um "petit train", que eu queria andar antes de visitar a cidade por mim mesma. A primeira saída estava marcada para 10h, mas eu fiquei esperando até 10:10h sem nenhum sinal dele (sim, existem atrasos na França, afinal eles não são ingleses), e acabei por desistir desse passeio e resolvi começar minha caminhada auto-audio-guiada, começando obviamente pela catedral, que é mesmo de tirar o fôlego.
Sua construção, pelo menos da parte gótica, começou em 1145 pela torre norte (torre Saint-Romain), a outra torre chamada "tour de beurre" (torre de manteiga) foi contruída 300 anos depois e seu nome é de origem controversa (não se sabe se é por conta da cor amarelada da sua pedra ou se é porque ela foi construída com dinheiro das indulgências daqueles que pecavam comendo manteiga - isso foi considerado pecado durante algum tempo em Rouen, aparentemente porque a manteiga ficou em falta). A nave ainda contem alguns elementos da antiga igreja romana e possui 3 gisants muito curiosos (para os desinformados são estátuas deitadas representando o morto cujo túmulo fica logo embaixo da estátua): um do Ricardo Coração de Leão, que, dizem, contem o seu coração; do grande herói francês de origem viking Rollon, que está vazia; e de Henri le Jeune, irmão de Ricardo e de Guillaume Ier de Normandie, filho de Rollon. Dentro da catedral há ainda uma bela capela dedicada a Joana d'Arc, onde há uma linda espada, obviamente não original.
Saí da catedral por uma porta lateral para entrar na Rue Saint Romain, uma das mais antigas da cidade, repleta de casas dos séculos XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII e XIX. Nessa rua se encontra o atelier de Ferdinand Marrou importante artista do início do século XX, trabalhando no grande relógio e também na catedral, e mais um monte de casas belíssimas... se você bobear não vê mais nada na cidade.
Essa rua dá numa igreja linda, chamada Église Saint-Maclou, que infelizmente estava fechada. Perto dessa igreja fica um dos lugares mais exóticos que já visitei, e que foi difícil de achar, porque sua entrada é muito escondida: o aître Saint-Maclou. Hoje ele abriga a Escola de Belas Artes, mas na verdade é um antigo cemitério usado durante a peste negra de 1348. Mais tarde, no século XVI foram construídas as galerias que ficam em torno do atual jardim para servirem de ossuário, e a Escola hoje fica nessas galerias. Por conta de sua história e propósito sua decoração é, pode-se considerar, macabra, com muitos ossos e crânios, com figuras que fazem a chamada dança macabra (entre as figuras pode-se ver a própria morte, homens, mulheres, doentes, crianças e até mesmo padres e bispos, todos em forma de esqueletos), uma alegoria de origem medieval que mostra a morte liderando as pessoas em todas as fases da vida para a cova. Bem apropriado não? Numa das paredes há uma espécie de mostruário com um gato mumificado que foi achado numa das paredes da Escola... apesar disso tudo, o aître é um lugar muito agradável e bonito. Visita imperdível.
Saindo do aître fui para a rua Damiette, que também é linda, e cuja entrada fica de frente para a fonte com os meninos mijões da igreja Saint-Maclou, e na esquina tem a casa mais torta que eu já vi na vida. Dá até medo de passar do lado dela, porque parece que ela vai cair a qualquer momento. Essa bela rua é cheia de cafés charmosos, que me fizeram lembrar da minha fome, afinal eu só tinha comido um croissant e um copinho de café, mas ainda era muito cedo e estavam todos fechados. Resolvi continuar mais um pouco, e se eu percebesse que os restaurantes estavam escasseando eu iria voltar.
A rue Damiette leva a outra rua muito linda, a Rue Eau de Robec , um antigo rio muito importante para a cidade (um dos braços do Sena que corta Rouen), que depois de uma reforma higiênica foi tornado subterrâneo, mas deixaram um filete d'água na superfície, com muitas mini-pontes para marcar onde ele passava. Hoje é uma linda rua limpa e iluminada, com uma mistura bizarra muito comum na Europa de novo e antigo, o que é de se esperar de uma cidade que tem muitos prédios cujo século de construção pode variar até conforme o andar do qual você está falando.
Nessa hora resolvi que não dava mais, eu precisava comer urgentemente. Voltei a rua Damiette e fiquei esperando o restaurante que eu escolhi abrir. Foi muito em conta, por 15 euros eu comi: uma entrada de moluscos gratinados na manteiga com alho (os deuses do Olimpo ficariam com inveja desse prato); presunto ao vinho porto com batata frita; pêra cozida com sorvete de creme e calda de chocolate; e o preço ainda incluía uma cerveja. Comi devagar e até não agüentar mais. Mandando a fome pro aître saint-maclou, pude continuar meu tour.
Fui andando até a Abbayae de Saint-Ouen, uma igreja gótica também, mas que ainda estava fechada. O que era bom, porque assim eu tive tempo para apreciar os belíssimos jardins a sua volta, com uma grama no seu auge do verde e cheia de flores (sim a grama européia dá flor!). Assim como no campo de marte em Paris, aqui as pessoas vão passar suas horas livres sentadas na grama, ao sol, comendo, conversando, fumando e lendo. Aproveitei para dar uma volta, sentir o sol, ver a bela paisagem e os restos de alguma construção anterior (provavelmente os resquícios do monastério beneditino). Aproveitei também para lembrar que foi aqui, no cemitério dessa abadia, que Joana D'Arc foi submetida à prova de abjuração em 1431, e no mesmo lugar, em 1456 ela foi reabilitada. História muito trágica e heróica a dessa virgem.
A igreja finalmente abriu, 15 minutos mais tarde do que o indicado na porta (mais um atraso para contabilizar na viagem... ainda seriam muitos), mas valeu a pena esperar. É a igreja gótica mais iluminada que eu já vi, apesar de ser menor que a catedral ela aparenta ser maior, porque nos espaços onde deveria have capelas, aqui tudo faz parte da nave, sem divisórias, dando o efeito de amplitude, que fica ainda mais intenso por conta da luz e dos seus pilares mais finos que o comum. Enfim, é uma jóia, que náo dá para apreciar por completo, pois a parte das capelas em torno do altar são proibidas ao público. Uma pena. Mas vale mesmo assim.
Saindo de lá, fui até a Place Saint-Amand onde há um busto de Monet e também é uma gracinha, cheia daquelas casas antigas... incrível como não dá para cansar dessas construções! Fui então ver um tipo de construção que eu não sabia que existia: um prédio gótico de uso civil (eu achava que eram apenas igrejas): o Parlement. Ele realmente parece uma igreja... não tem como dissociar... A construção fica num antigo bairro judeu da cidade, que foi demolido e o prédio foi construído por cima de um monumento judeu, o único com vestígios na Europa (por mais que eu não tenha conseguido ver nada lá, sei que estão em algum lugar). Hoje é um bairro com muito comércio.
No caminho para o meu próximo ponto de visita, aproveitei para pegar meu chip e o dvd com as fotos, foi caro, mas pelo menos o trabalho era mesmo muito chique, com uma capinha muito bonita da loja.
Pude seguir então para o local onde Joana D'Arc foi queimada: o Grand Marché. Era o local mais animado da antiga cidade medieval: o mercado! Não foi a toa que escolheram essa praça para queimar Joana viva. Hoje o mercado fica dentro de uma construção muito modernosa, de telhado meio torto e muito estiloso. No local onde Joana foi queimada há uma cruz imensa, que marca a altura da fogueira, e um pequeno sítio arqueológico, com tudo o que restou da fogueira: o pilori, a pira e o muro que separava a platéia do fogo. Logo atrás desse sítio e da cruz, há uma igreja construída em 1979 com 3 finalidades: reverenciar a santa, memorial civil para celebrar a heroína e um lugar para conservar os vitrais da antiga igreja Saint-Vicent, destruída em 1944.
A igreja, mesmo sendo moderna, é uma das mais bonitas que já vi, e a única em forma de arena. Foi onde acendi minha primeira vela na viagem, porque não dá pra resistir. Primeiro, ela é emocionantemente bonita, depois a história de Joana D'Arc me toca profundamente.
Saindo da igreja, fui ver o outro lado da praça, que é bem mais leve! Tem um belo gramado, uma fonte numa das laterais da igreja e resquícios de uma outra igreja bem mais antiga, onde o famoso escritor Corneille foi batizado. Além disso tudo, a praça é rodeada de restaurantes e lojas de souvenirs... o que é muito conveniente tanto para os vendedores quanto para os turistas. Para completar, é na praça que fica o Museu Joana D'Arc e, bem perto, o Museu Corneille. Como eu ainda queria visitar o Grande Relógio, resolvi que era melhor deixar os museus para mais tarde, caso desse tempo. Acabei não indo a nenhum, mas fica como desculpa para voltar nessa cidade maravilhosa.
Continuei andando no meu walking tour, e fui para a Place de la Pucelle, a praça da virgem, em homenagem à Joana D'Arc, onde antigamente tinha uma fonte lindíssima (eu vi uma miniatura mais tarde para atestar esse fato), porém, por conta da homenagem, era confundida como o local onde ela foi queimada. Para acabar com a confusão, resolveram ser muito práticos: eles tiraram a fonte. Mas a praça ainda vale a visita, ainda mais na primavera, pois os canteiros ficam repletos de flores de todas as cores, e lá só tem prédios antigos lindíssimos! O mais famoso deles, o Hôtel de Bour Theroulde, infelizmente estava em obras... mais uma razão para visitar novamente Roen no futuro!
Finalmente me dirigi ao famoso relógio! Que não só é belíssimo, como é enorme! E dá pra ver as horas à distância, o que é muito facilitado pelo fato do relógio só ter um ponteiro... mas também, isso já é fantástico se pensarmos na época em que ele foi construído: século XIV!!! E além de mostrar as horas, ainda é um relógio astronômico, pois mostra a fase da lua e o dia da semana! Para caber um relógio desse tamanho, foi necessário colocá-lo numa espécie de arco entre duas torres, sendo que uma delas contem os sinos que marcam as horas, e a construção toda é belíssima, cheia de detalhes que remetem aos símbolos da cidade e do catolicismo. Numa das torres ainda tem uma fonte muito simpática, feita em homenagem ao Ludovico XV.
Depois de me satisfazer com as fotos externas, paguei a entrada e fui conhecer o relógio por dentro. Você entra por uma das torres, que hoje abriga um museu muito interessante, que você visita com um audio-guia (já vem incluído no preço da entrada, afinal o espaço é limitado para se manter guias e grandes placas explicativas). O museu fica na antiga casa do "relojoeiro", isto é, do responsável por manter o relógio funcionando. É uma boa aula de história, pois eu não sabia que antigamente não era qualquer cidade nem qualquer um que podia ter um relógio astronômico, e caso tivesse, ainda não era qualquer um que podia fazê-lo soar as horas! Aparentemente havia uma regra bastante rígida sobre a importância das cidades que dizia qual podia e qual não podia ter um relógio...
Mas esse Gros Horloge em específico é um dos mais antigos da Europa, e é o mais antigo que ainda está em funcionamento! Apesar de ser construído no século XIV, os símbolos utilizados para mostrar os dias da semana são os deuses gregos que deram origem aos nomes de cada dia! Como você só consegue ver um dia de cada vez no relógio, há uma réplica para os visitantes admirarem dentro do museu de todos os dias. Além disso, o museu inclui toda a máquina desse mostro (pois depois de você ver o tamanho da máquina se chega a conclusão que só pode ser um mostro), e os sinos! Que ,obviamente, são precedidos de um aviso enorme de "não chegue perto caso estejam tocando para você não ficar surdo", que ficam no ponto mais alto da torre-museu. Como brinde você pode visitar a parte externa da torre para uma vista alucinante da cidade. Alucinante mesmo! O espaço para você andar é tão diminuto que eu fiquei muito feliz de ter terminado a bateria da minha máquina e ela não ter registrado todos os palavrões que eu disse olhando para aquela cidade maravilhosa, mas que daquele jeito me fazia me borrar de medo. Mesmo assim eu dei uma volta completa na torre! Só para dizer que eu fiz!
Saindo da torre maldita, me sentei um pouco ao lado dos sinos para me acalmar, e então saí do museu, já recomposta, e voltei à praça da Catedral para finalmente devolver meu audio-guide. Eles dizem que dá pra fazer esse walking tour em 3 horas, mas isso é uma grande balela! Ainda mais se você for andando com calma e tirando fotos das coisas interessantes, que são muito abundantes! Devolvido o aparelhinho, vi o maldito trenzinho que eu queria ter pegado no início do dia. Como eu ainda tinha um pouco mais de uma hora para gastar, resolvi pegá-lo. O que foi um erro. Esses trenzinhos são muito mais legais como uma primeira vista da cidade mesmo, depois que eu já tinha visto tudo, e ainda por cima com comentários, aquele passeio fui muito chatinho...
Terminado o passeio, eu ainda tinha alguns minutos, então resolvi procurar um supermercado para comprar água antes de ir para a estação de trem. Como Murphy funciona no mundo inteiro, acabei me perdendo nessa procura, justamente numa parte da cidade que não tinha no meu mapa! Mesmo assim, como eu ainda tinha algum tempo resolvi me arriscar, o que foi bom, pois acabei por achar um supermercado! Comprei minha água pelo preço mais justo possível em euros, e de quebra ainda cheguei a tempo na estação! UFA!
Apesar de eu ter pegado o trem na hora, ele chegou atrasado em Paris... mais um atraso francês na minha conta! O que me deixou muito chateada... mas depois do que me esperava no dia seguinte seria fichinha... de qualquer forma, eu ainda não sabia disso, então me dirigi ao meu hotel, passando no cyber café 24h no caminho, para arrumar a minha mala pro dia seguinte, que seria muito cheio, pois além de visitar Chartres, eu ainda pegaria um trem para Bruxelas junto com uma amiga minha que me encontraria na estação. Depois de arrumar a mala, comi uma quantidade absurda de pistaches, o que consistia no meu jantar, e fui dormir exausta. Para completar o "dia", meus pais me ligaram no meio da noite... mas eu estava tão cansada que nem me lembro o que eu disse pra eles.



5 de maio - Mont Saint Michel

Como eu estava muito cansada por conta dos dias anteriores e o meu trem para Pontorson só saía às 9 horas, acordei um pouco mais tarde do que o costume, tomei um café razoável no hotel, que era um pouco pior e um pouco mais caro do que do hotel de Paris. Mas eu não estava preocupada com isso, só conseguia pensar na visita do dia: Mont Saint Michel, um dos pontos altos da minha viagem.
Cheguei um pouco mais cedo na estação de trem para decidir o que fazer com as passagens que estavam faltando comprar ou agendar: Rouen, no dia seguinte, e Vézelay. Por conta dos preços de ida e volta, que eu consultei numa máquina (mas que não podia comprar porque ela só aceitava cartão com chip), acabei decidindo por comprar as passagens de ida e volta de Rouen e deixar Vézelay por conta do Eurail Pass, já que não dava para reservar lugar nesse trem. Deve ter sido por causa da mistura de sono com impaciência mais uma pitada de nervosismo (porque o caixa que vendia as passagens só abria 5 minutos antes da hora do meu trem) que não fiz a escolha mais sábia. Teria sido mais barato do outro jeito. Paciência. Faz parte.
Entrei no trem e em pouco tempo eu estava chegando em Pontorson, que é a cidade mais próxima do Mont Saint Michel, que na verdade é uma ilha, logo o trem não chega até lá. A idéia era pegar um ônibus, cuja tabela de horários eu encontrei na Internet, do lado de fora da estação que me levaria até a ilha e no final do dia me traria de volta. Como tinham me avisado que seria muito provável, estava chovendo. E logo descobri que Pontorson é uma cidade no meio do nada, ela é tão pequena que é difícil chamar a estação de trem de estação. E não tem nada em volta além de casas e algum comércio de primeiras necessidades. Por conta disso, meu plano de deixar minha mochila num armário na estação foi por água abaixo, junto com a chuva que não parava de cair.
Eu não tinha muito tempo para me lamentar ou ficar procurando soluções, porque o tempo entre a chegada do trem e o meu ônibus era de 10 minutos, então o mais importante era encontrar o ponto do dito cujo fantasiada de tartaruga mesmo. Se eu o perdesse teria que aguardar até depois do almoço, o que não era uma boa idéia. Do lado de fora da estação encontrei um microônibus e um cara enorme de gordo do lado, fui perguntar pela condução até o Mont Saint Michel, e era aquilo mesmo, sem número ou indicação na frente mesmo. Depois notei que tinha uma pequena folha de papel que indicava a direção no vidro dianteiro que mal dava para ler.
De qualquer forma, aquele senhor se mostrou muito simpático, começou a me dar dicas, falando dos horários para voltar e que o tempo normalmente era ruim daquele jeito mesmo. Inclusive, ele achava que estava fazendo um dia muito ameno, nem estava chovendo tanto e a temperatura estava agradável (eu estava quase congelando!). No final acabou me perguntado de que região eu era. Ele achou que eu era francesa, veja só! Respondi que era brasileira, e ele ficou impressionado, seu francês é muito bom!
Partimos em direção à magia do Mont Saint Michel, e na verdade essa é uma viagem muito curta, chegamos lá em uns 15 minutos. Mas vou te contar, uma das coisas mais mágicas do mundo é estar na primeira fila de um ônibus daquele, olhando em direção ao mar, cheio de brumas e vir surgindo devagarzinho o Mont Saint Michel. É do jeito que eu imaginava que seria a cena de Morgana levando Artur para Avalon, com a ilha surgindo no meio da neblina. Lindo. De longe aquela ilha já te conquista e te deixa de boca aberta. Fiquei emocionada.
Fui deixada na entrada da ilha, que se manteve inteiramente medieval, de forma que nenhum veículo pode passar e a entrada é igual a de um castelo, com direito a ponte elevadiça e tudo o mais. Por conta da chuva fui antes de mais nada para o Office de Turisme, que fica bem no início da cidade, antes mesmo da ponte, para lá comprar um livreto explicativo e conseguir um mapa mais detalhado e que não ficasse manchado com a chuva. Mais detalhado eles não tinham, e depois entendi o porquê (não tem o que detalhar! É tudo minúsculo mesmo!), mas pelo menos ele continuaria legível com umas gotinhas. Saquei meu poncho do Astérix da mochila e o vesti, deixando a máquina fotográfica bem protegida debaixo dele. Estava pronta para começar a andar!
Aliás, andar no Mont Saint Michel é muito difícil. É tudo tão lindo, e tão antigo, que parece que você entrou numa máquina do tempo mesmo! A cada passo que você dá a vontade de parar e ficar embasbacado é quase incontrolável. Você acaba andando a passo de tartaruga (muito apropriado no meu caso) com o queixo caído. Tudo, absolutamente tudo a sua volta é medieval ou mais antigo, todas as casas, janelas, portas... a rua é estreita e sinuosa, nem que um carro tentasse (apesar de ser proibido) conseguiria passar, tanto que para recolher o lixo no final do dia eles usam um veículo especial, adaptado para o tamanho da única rua, e por ter de ser pequeno, o lixeiro é obrigado a fazer muitas viagens.
Tudo na cidade vive do turismo, as lojas ficam uma do lado da outra, intercaladas com restaurantes e pequenos museus particulares. As únicas coisas diferentes disso são o Office de Turisme, os correios, a polícia e a prefeitura. Tudo em casas como as demais ou instaladas nas torres de vigia das remparts (muralha medieval que circunda as cidades). A Mairie (equivalente a prefeitura), por exemplo, fica num belo arco que liga as construções internas a uma das torres.
Meu plano era subir pela rua principal e descer pela muralha, o que era muito difícil de conseguir, principalmente no início quando há mais escadas ligando a rempart à rua e você fica querendo xeretar cada cantinho daquele museu a céu aberto... Fui subindo com alguma dificuldade, e entrando nas lojas que me seduziam com seus produtos bretões e celtas, até chegar a Église Paroissiale, com uma bela estátua de Joana D'Arc na entrada. É incrível como a igreja tinha poder, uma cidade tão minúscula como aquela não se contentava com o mosteiro localizado no alto do monte, precisava também de uma igreja no meio do caminho. De qualquer forma, a Église é linda, apesar de pequena, e estava em obras. Por conta da manutenção tudo estava deslocado para cima do altar, como numa casa em plena faxina. Uma coisa muito engraçada de se ver.
Continuei subindo... até chegar à última casa/loja da rua e começar a escadaria que leva até a abadia do mosteiro. Haja escada! Ainda bem que você acaba subindo devagar para poder apreciar a arquitetura gótica maravilhosa do lugar. É tudo tão cheio de detalhes, com curvas, gárgulas, torres e janelas de tudo quanto é jeito que você nem sente que está subindo tanto. A entrada já é linda, ah, tudo é lindo, e, claro você tem que pagar para visitar, porque a abadia é quase toda aberta ao público, com direito a guias e audioguias (por uma taxa extra). Você visita tudo lá dentro, passando por salas e corredores labirínticos, jardins internos maravilhosos, e conhecendo todo o mosteiro. É uma coisa muito mágica. Não tem como descrever em palavras, e as fotos dão uma idéia muito pálida do que é aquele lugar. A cripta para mim foi um lugar particularmente emocionante, porque lá eu encontrei uma Madona Negra, era Notre Dame Sous Terre! Eu fiquei surpresa, porque minha viagem estava construída em cima dos lugares que eu sabia possuir esse tipo de Santa, que é um vestígio da adoração da Deusa Ísis, mas não tinha idéia que iria encontrar uma ali! E nesse caso, essa imagem ainda possui uma belíssima conotação, porque o ponto mais alto do mosteiro é uma estátua dourada de Miguel, representando a energia solar e etérea, masculina, e no ponto mais baixo fica a Madona Negra, representando as forças terrenas, uterinas e femininas, com a igreja principal bem no meio do caminho. Lindo! Simbolicamente perfeito!
Saí de lá flutuando, com a cabeça em outro tempo e lugar... na verdade, muito bem localizada no tempo e no lugar, principalmente nesse último! Eu estava bebendo avidamente as imagens com os olhos. Desci pelos remparts, que estão absurdamente bem conservados, e parecem um corredor que limita a cidade, separando a parte habitável do precipício que dá no mar, com vistas lindas da baía. Pena que eu não dei sorte com os horários de mudança da maré nesse dia... elas seriam ou antes de chegar ou depois de ir embora. Mas a vista era bonita assim mesmo, principalmente através das seteiras (espécie de pequenos rasgos na muralha para os defensores usarem arcos e flechas sem o inimigo conseguir acertá-los). Ali daria para ter uma aula fantástica sobre defesa militar na idade média.
Fui descendo e pensando no almoço... quando vi um restaurante de frutos do mar lotado, mas ainda tinha uma mesa vaga. Entrei e fiquei fascinada com as mesas em volta, as pessoas se fartavam de frutos do mar gigantescos! Era ali mesmo que eu comeria. Sentei e pedi o cardápio já na dúvida do que iria pedir. O garçom me entregou e foi embora. Abri com água na boca, procurando onde estavam os frutos do mar. Só tinha crepe. Como assim?, me perguntei. Chamei o senhor que estava me atendendo, eu quero o menu. Não tem mais menu. Como assim, não tem mais menu? Passou das 14h.
Eu quase gritei de raiva, eram 14:05h. Todos a minha volta estavam comendo menu, e eu não podia mais pedir. Quase levantei e fui embora. Mas me segurei, pensando comigo mesma que provavelmente aconteceria a mesma coisa em qualquer outro restaurante que eu fosse, do jeito que estava com fome era melhor ficar por ali mesmo. Tristemente escolhi um crepe, e aproveitei que estava na janela que dava para o mar para me distrair e não ficar olhando para as mesas, e conseqüentemente os pratos, dos outros. O crepe tava até gostoso, mas a frustração estava estragando ele.
Depois do crepe pedi um belo sorvete pra dar um ânimo no meu humor, que estava perigando ficar ruim. Mas foi só sair do restaurante e olhar novamente a vista das remparts que fiquei feliz novamente! Desci vagarosamente as rampas e escadas, absorvendo o máximo de detalhes possível, até chegar novamente na entrada da cidade. Como ainda tinha umas duas horas até o ônibus chegar, resolvi testar o meu auto-controle nas lojas. Aquilo é uma loucura, devia ser proibido. Se eu tivesse dinheiro e um modo de carregar, teria comprado quilos de bugigangas, lá tem de tudo: lembranças medievais, do Senhor dos Anéis (imitações em prata, ouro e esmalte do figurino do filme), dos Piratas do Caribe (armas principalmente), uma quantidade incontável de espadas, punhais, facas e muita, muita prata com motivos celtas/bretões. É interessante reparar pelos souvenires que a velha disputa de onde fica o Monte Saint Michel ainda é muito viva: Bretanha ou Normandia? Na dúvida, tem souvenires dos dois! E pra coroar isso tudo ainda tem o artesanato de Quimper, que uma louça linda de morrer... só que é tão cara que custa além dos olhos da cara, mais um braço e uma perna.
Numa das lojas aconteceu um fato engraçado, como eu estava com o meu poncho uma das vendedoras veio me sacanear: e aí, foi no Parque Astérix? E, deixe-me adivinhar, estava chovendo, né? Que sorte a sua, hein? Em outra loja vi uma vendedora japonesa, que estava lá só para atender os japoneses, é claro. São tantos que eles estão contratando vendedores especializados!
No final das contas, me surpreendi: comprei só 2 pares de brincos, um anel, um pin para minha coleção (que viria a fazer sucesso durante a viagem) e um gato de pedra com motivos celtas. Não ficou pesado, nem na mochila nem no bolso, por isso acredito que meu teste de auto-controle foi um sucesso!
Depois de umas duas voltas pelas lojas, olhei pro relógio e faltava uns 10 minutos pro ônibus chegar. Resolvi esperar por ele sentada, pois já estava cansada, e nunca vi um ônibus ser tão pontual. E, claro, era o mesmo motorista. Ainda tive que esperar um pouco pelo trem na estação absolutamente deserta e quando ele chegou, escolhi um lugar longe de todos e fui dormindo até Rennes, onde devia fazer uma conexão.
Quando o trem para Paris chegou, fui procurar minha poltrona, mas ela estava ocupada. Achei estranho e fui conversar com a garota que estava sentada ali, que me explicou que estava numa excursão com uns amigos e perguntou se eu não me incomodava. Respondi que não, que só não queria ficar mudando de poltrona o tempo todo, então queria saber onde era o lugar dela para trocarmos. Acabou sendo tudo ótimo, pois fiquei longe da bagunça da excursão, podendo tirar mais uma soneca, e depois comer o meu jantar em paz. Ah, sim, por conta da hora resolvi jantar no trem! Minha primeira experiência gastronômica sobre os trilhos!
É bem interessante o esquema, tem um vagão/bar que vende pequenas refeições: sanduíches, saladas, iogurte e alguns pratos quentes pequenos, além de bebidas. Você chega lá, pede e escolhe se quer comer de pé numa bancada ali mesmo ou se leva a comida para o seu lugar, que obviamente tem uma mesinha até bem espaçosa. Eu escolhi minha poltrona, pois não agüentava mais ficar de pé. Só tem um problema: o trem balança mais do que parece, o que te obriga e tomar conta das coisas o tempo todo, principalmente das garrafas, que escorregam enlouquecidamente pela mesa e viram para tudo que é lado.
Quando faltava uns 5 minutos para chegarmos a Paris me dirigi para a porta, e já tinha um monte de gente esperando lá. Foi então que descobri que nosso trem estava atrasado, demoraria mais uns 20 minutos para chegarmos. Era o meu primeiro trem atrasado, numa longa sucessão ainda por vir. Durante a espera um francês veio puxar papo, ele estava ansioso porque tinha um vôo marcado para Madagascar e não podia se atrasar. Foi uma conversa muito esquisita, porque ele só sabia se vangloriar de que não dormia a noite, já que trabalhava como marinheiro e por isso viajaria no meio da noite, só para não dormir. Eu disse para ele que isso não fazia sentido, mas ele entendeu como um elogio. Eu desisti e o deixei falar o que quisesse, respondendo apenas com a-hã.
Chegando em Paris, fiquei feliz de descobrir que o metrô ainda funcionava, o que facilitava a minha volta para o hotel. Quando cheguei lá já era mais de 11h da noite. Peguei minha mala na recepção e fui carregando-a sozinha para o caixão que funcionava como elevador. Tinha um hóspede esperando, mas que gentilmente me cedeu o lugar por conta da mala. Agradeci muito e fui na frente. Chegando no meu andar descobri que o tal hóspede na verdade era meu vizinho. Nos desejamos boa noite e eu fui conhecer meu novo quarto.
Ele era pequeno, muito menor do que o anterior, que eu dividi com o Caike, mas pelo menos o telefone funcionava direito. Eu também não tinha tempo para ficar reclamando. Dei um jeito de encaixar minha mala perto da janela, e fui lavar roupa. Só que era tanta coisa para lavar que quando deu meia-noite e meia o meu vizinho tão simpático veio reclamar do barulho. Pedi desculpas e deixei para lavar o resto no dia seguinte, se sobrasse tempo.

4 de maio - Rennes - o segundo começo

Acordei cedo, com o Caike saindo do quarto para pegar o translado para o aeroporto às 4:30h da manhã. Depois que ele foi embora não consegui mais dormir. Agora a minha viagem sozinha estava começando e o nervosismo bateu de verdade. Um monte de coisas que as pessoas tinham me perguntado sobre viajar sozinha estavam me atormentando... resolvi que era melhor tomar um banho bem quente, deixar tudo pronto e cochilar até a hora de sair.
Acordei o mais tarde possível, deixei a mala gigante e a sobra do vinho no saguão do hotel mesmo, e levei o café da manhã comigo para comer no trem, que saía às 8:05h e levava pouco mais de 2h para chegar em Rennes. A idéia era dormir em Rennes nesse dia, no dia seguinte ir pro Mont Saint Michel e voltar a Paris à noite, de forma que uma mochila com uma muda de roupa seria o suficiente, o resto me esperaria no hotel, onde eu ficaria nas 2 noites seguintes, até a próxima viagem de longa distância.
Tudo resolvido, peguei o metrô e fui para a Gare Montparnasse. Como era a minha primeira viagem, perdi as setas dentro do metrô que levavam direto para a estação, e acabei saindo no meio da rua deserta. Olhei em volta e vi uma placa que indicava o caminho para a estação. Comecei a andar naquela direção, mas meu instinto estava afiado e eu senti que tinha algo errado. Vi um gari e resolvi perguntar, e ele me deu outra direção. Resolvi confiar no parisiense laranja.
Ele estava certo e acabei encontrando a estação, que é enorme! Tem diversos terminais, cada um para determinadas cidades... procurei por Rennes e lá estava o meu terminal. Por precaução eu estava com tempo sobrando e me sentei para esperar o trem chegar. Quando faltavam apenas 15 minutos desci para minha plataforma para xeretar, porque me intrigava saber como achar o meu vagão no pouco tempo que o trem ficaria na estação. Logo percebi que na plataforma tinha um quadro com um trem iluminado e cheio de números, cheguei mais perto e vi que lá tinha o trem com os vagões e eles ficavam localizados nos seus respectivos "repères", uma espécie de subdivisão da plataforma justamente para facilitar a vida dos passageiros. Achei fantástico! Fui para o meu "repère" e na hora exata o trem chegou. Eles são pontuais mesmo quando não se atrasam, impressionante. Subi e fui para a minha poltrona na primeira classe, que parecia mais confortável que a da segunda classe que eu vi de passagem no outro vagão. Sentei e comecei a tomar o meu café: pequenos sanduíches de queijo fortíssimo, que deixaram a minha mochila fedida quase ao insuportável.
A vista do trem do caminho para a Bretanha é belíssima, e muito parecida com a do avião, com muito verde, pequenas fazendas, aqueles cata-ventos enormes para captar energia eólica e micro cidades, daquelas que eu aprendi na Aliança Francesa que são abundantes na França, com apenas umas duas dúzias de casas e uma igreja, normalmente desproporcional ao tamanho do lugar. Entre uma micro cidade e outra, aproveitei para dar pequenos cochilos, até que anunciaram a estação final: Rennes.
Eu estava munida de um pequeno mapa tirado do site do ofício de turismo da cidade, que tinha algumas ruas do centro histórico e a localização da estação de trem. A primeira coisa que fiz foi tentar arranjar um mapa melhor na estação, no que não dei muita sorte, porque se o meu mapa era ruim de ler, aquela xerox que me deram era muito pior. Mesmo assim fiquei quieta ao recebê-lo e aproveitei para perguntar onde ficava o meu hotel, bem em frente à estação foi a resposta. Animada, saí e fui à procura! Não achei o hotel na praça onde ele devia ficar... achei estranho, como o rapaz na estação sabia onde ele ficava, eu tinha certeza de que o hotel existia. Entrei numa rua e comecei a procurar... até que me convenci de que não era a melhor tática a adotar. Voltei pra praça decidida a procurar de novo. Vi um hotel com um nome parecido com o meu, mas era diferente. Resolvi entrar e perguntar. Era ali mesmo. Não entendi nada, como um hotel pode ter um nome na Internet e outro na fachada? Mas eu não ia ter essa discussão filosófica com o recepcionista. Deixei a mochila no quarto e fui com o meu casaco/mochila bater perna. Mas antes tive que fazer uma parada estratégica no banheiro, porque meu intestino nunca tinha absorvido tantos lactobacilos em tão pouco tempo... era o efeito colateral dos queijos franceses. Saindo do hotel aproveitei para no caminho pegar um mapa decente na recepção!
Fui em direção ao centro histórico da cidade e fiquei meio desanimada, Rennes tinha cara de subúrbio moderno. Nada de realmente interessante, com ruas e avenidas largas para uma cidade medieval. A Rue de Janvier, que segundo o meu mapa, dava no centro, é cheia de lojas bem novas e mais sofisticadas.
Entrando na Rue Toullier, a primeira do meu circuito, me encontrei no verdadeiro centro histórico, e aí sim Rennes me conquistou com suas casas de madeira, construídas dessa forma desde o século XIV até o XIX. A única coisa que logo ficou evidente, e confesso que me deixou chateada, é que estava tudo, absolutamente tudo, fechado. Era domingo, e até os restaurantes menores não abriram. Aquilo parecia mais uma cidade fantasma, com pouquíssimas pessoas na rua. Uma desolação, ainda mais para o meu primeiro dia sozinha.
Para elevar o espírito, entrei na primeira igreja do meu circuito, Église de Toussaints (Todos os Santos), que estava em plena missa. Para não atrapalhar as pessoas, dei uma volta pela nave bem discretamente, evitando as capelas próximas do altar, e tirei apenas uma foto de uma estátua no fundo, perto da porta principal, para não incomodar ninguém. Confesso que depois de tudo o que eu havia visto em Paris, essa igreja não me impressionou.
De lá segui por outras ruas estreitas e tortuosas, todas de pedra, uma mais curiosa que a outra, até chegar no limite do centro histórico, onde há um templo protestante, e o culto tinha acabado de terminar e as pessoas estavam saindo. Continuei pelo meu circuito e passei em frente ao mercado popular, que estava vazio, com muita coisa fechada, e a pequena parcela de vendedores que estavam trabalhando em nada se diferenciavam daqueles da Cobal do Humaitá.
Continuei caminhando até a Place de la République, essa sim digna de nota. Nela fica o Palais du Commerce, uma construção muito grande e bonita do século XIX, com umas arvores plantadas em caixas quadradas na frente, que são muito comuns na Europa (desconfio que são laranjeiras, mas não tenho certeza, pois nos castelos elas são plantadas assim).
De lá entrei no mundo do Senhor dos Anéis, na Rue de Rohan (até tirei uma foto para comprovar!), que é onde começa mesmo a cidade velha, que fica no centro do centro histórico, onde você volta a andar por ruas estreitas, apenas com casas de madeira e chão de pedra... uma coisinha linda! Pena que a praça do Calvário estava em obras... mas logo se percebe que sempre tem algo em obras nos países desenvolvidos... lá elas nunca terminam, pois sempre há algo para melhorar e eles não deixam para depois, além de que é na primavera que se consertam os estragos provocados pelo inverno.
De lá peguei uma outra rua repleta de charme, uma das mais bonitas de Rennes, a Rue de Saint Yves, onde fica a antiga Chapelle Saint Yves, que hoje é o ofício de turismo da cidade. A pobre capela está tão destruída e desfigurada que a visita vale mais pelas informações turísticas do que pela visita. Aliás, essa área toda é uma coisa fora de série, depois dessa rua tem mais uma que também é linda: Rue des Dames, que dá na principal igreja da cidade, a Catedral de Saint Pierre, que quando eu cheguei estava fechando para o almoço, só abrindo três horas depois, num dos intervalos para almoço mais longos que já vi, só na Espanha é pior. Eu ainda não sabia disso, mas foi muito providencial ter deixado essa igreja para visitar por último, na hora fiquei um pouco chateada, mas ainda tinha muita coisa para ver e por isso segui em frente, sem dar tempo para lamentações.
De lá, segundo o meu mapa, tinha as Portes Mordelaises para visitar. Eu não tinha idéia do que se tratava, imaginei arcos medievais para se passar no meio ou numa praça. Continuei andando e continuei sem saber o que eram essas portas, tudo o que vi foi um castelo medieval com um belíssimo jardim florido na frente. Hoje, procurando no Google descobri que o tal castelo é a Portes Mordelaises... que nome mais inapropriado.
Perto do castelo fica uma praça simpática, mas com muita cara de Paris do interior, a Place du Bas de Lice, que é sem graça se comparada com outras partes de Rennes, porém, inesperadamente, ao lado dela tem outra praça, essa sim imperdível! É a Place Saint Michel, que é um point da cidade, juntamente com a sua continuação, a Place du Champ Jacquet! São duas praças cercadas de ruas, com tudo lotado de bares e restaurantes. É engraçado ver como a Bretanha respira o passado, tentando passar uma imagem às vezes mais medieval e fantástica do que a realidade. A quantidade de pubs e restaurantes com nomes que lembram a lenda Rei Artur ou até mesmo o Senhor dos Anéis é assustadora. Chega a ser difícil encontrar um lugar com um nome "normal".
Como ainda estava cedo e eu estava adiantada no meu circuito turístico, resolvi mudar o caminho e explorar para fazer hora. Entrei na Rue des Innocents (para quem gosta de Anne Rice é uma referência interessante para o Cemitério Les Innocents, que chegou a existir mesmo em Paris e... bom, isso faz parte de uma outra história que será contada mais a frente na viagem. Foi nessa área que achei uma loja que oferecia Internet! Bom, não era uma lan-house, e sim uma mercearia misturada com bar, numa casa histórica e administrada por árabes. Aliás, como tem árabe em Rennes! Os computadores, apenas 3, ficavam nos fundos, tudo muito empoeirado e com uma Internet lenta de doer. Mas eu tinha que mandar notícias para a minha mãe e buscar novidades do Caike, então me conformei e acessei rapidamente meus e-mails. Bom, rápido em termos, né? De qualquer forma, foi a Internet mais barata que vi na França, pois os vendedores marcavam eles mesmos o tempo de conexão, e como ficavam batendo papo (em árabe) o tempo todo com os fregueses árabes também, não estavam muito preocupados com o tempo que você passou no computador, contando bem menos tempo do que a realidade. O que no fundo, foi justo, dada a lerdeza da conexão e do computador em si.
De lá entrei na Rue de Saint-Louis e fui para uma praça fora do meu circuito, a Place de Sainte Anne, que estava deserta. Lá tem uma igreja muito linda, a Église de Sainte Anne, que, para minha surpresa, é uma das mais bonitas de Rennes! Para meu desconforto, havia um grupo de quase bêbados sentados na escadaria, e assim que cheguei um deles foi logo avisando que a igreja estava fechada, e outro logo retrucou que não, ela estava aberta. Começou uma pequena discussão entre os dois enquanto um terceiro me aconselhou verificar pessoalmente, e, graças a deus, ela estava aberta e eu entrei rapidinho.Pra variar, a igreja é tão alta que quase chega a dar vertigem quando se olha para cima, e e toda branca por dentro. O transcepto é coberto quase até o teto de placas de agradecimento por milagres de Santa Ana, uma coisa emocionante!
Saí de lá animada, e me despedi dos bêbados nas escadas, saindo um pouco mais rápido do que o normal, pois eu estava sozinha e a praça vazia, não queria arriscar... fui até a Place de Hoche, que é bem bonita também, mas sem nenhum marco importante, e entrei na Rue Saint Melaine, onde, adivinha, tem mais uma igreja chamada, adivinha de novo, Église de Saint Melaine. São coisas que eu não consigo entender, essa igreja bem mais acabada e feia, apesar de ser um monumento histórico de importante, está no circuito turístico, mas a Sainte Anne que é bem mais bonita não está. Não faz sentido pra mim... mas enfim, essa é uma igreja que vale pela sua importância como monumento histórico (afinal ela data do século XI) e pela torre que é muito bonita, de estilo romano. Por dentro, ela é austera demais, ficando bem sem graça, fora que seu estado de conservação não é dos melhores.
Saindo da igreja e entrando na Rue du M. Guillandot, você vê na esquina du Rue Gambetta (aparentemente uma via bastante importante da cidade) a piscina municipal. Outra coisa de país desenvolvido: piscina pública de qualidade. A entrada tem ares de art nouveau, mas o estilo é outro que eu desconheço, e é muito bonita, com jardins nas laterais. Também não está no circuito, mas vale passar na porta para dar uma olhada.
De lá peguei a Rue Saint Georges, que te leva novamente para a cidade medieval, e tem algumas das casas de madeira mais lindas da cidade, com suas vigas de madeira entalhadas lindas... muitas contando histórias de santos. Uma das que eu vi pela cidade tinha o martírio de São Sebastião, com ele amarrado numa viga enquanto na outra viga ao seu lado mostrava o arqueiro. Tudo bem pintado e bem conservado, uma beleza.
No final da Saint Georges fica mais uma igreja, a Saint Germain, que infelizmente estava fechada, para meu azar ela só abre uma vez na semana, e não é aos domingos. Então segui em frente e fui até a Place du Parlement de Bretagne, que é muito bonita, com um belo jardim à frente do Parlamento, que já é por si só um espetáculo a parte, com a sua imponência, e um interessante relógio de sol no centro da fachada.
Essa área é, na verdade, repleta de prédios públicos, pois bem perto fica a Place de la Mairie, que é no mínimo curiosa. Se trata de uma praça onde, obviamente, fica a prefeitura, e consiste numa praça de tamanho bastante razoável com um prédio de cada lado, sendo que os eles se encaixam um no outro, isto é, um tem a entrada saltada para fora da fachada num semi-círculo, enquanto o outro tem a fachada num semi-círculo só que para dentro. Pra variar a praça está cheia de árvores plantadas em caixas.

Pensamento aleatório, mas nem tanto: o francês é mesmo metódico, acho que eles preferem manter as pobres árvores assim não só para controlar o seu crescimento mas também para facilitar a sua locomoção de um lugar para o outro e dessa forma poder mudar os jardins a seu bel-prazer sem ter de esperar as árvores crescerem de novo.

Nesse momento cheguei a conclusão que era melhor parar para almoçar. Então peguei meu mapa, e depois de percorrer algumas ruas, voltei a Place du Champ Jacquet. Estava tudo deserto, apesar de ser plena hora do almoço, escolhi uma creperie, e finalmente descobri o que é raclette!! Imagine um crepe, só que a massa é apenas de queijo crocante, isso é uma raclette. Em outras palavras, é uma iguaria culinária! Só tem um problema, dificilmente dá pra comer mais de uma, mas também não segura a fome por muito tempo. Além disso, como rapidamente eu descobri, não segura muito o vinho. Apesar de ter tomado apenas uma taça, saí do restaurante tontinha. Por conta disso dei mais uma voltinha na Place Saint Michel até conseguir achar o caminho para a Place Rallier du Baty, que também é um point da cidade, e possui um muro do século XV que é um prolongamento de um muro ainda mais antigo, da época galo-romana. Incrível como essas coisas surgem no meio das cidades na Europa... a presença da história é quase opressiva!
Segui então por mais umas ruas (R. du Clisson, R. de Mont Fort e R. du Chapitre) à cata de mais casas lindas de morrer, com suas vigas de madeira entalhas e coloridas, na verdade, é facílimo de achar essas construções em Rennes.
Finalmente eu estava de volta a Église Saint-Pierre, que deve mesmo ser visitada no final, pois tão muito linda que deixa a todas as demais no chinelo. Ela parece um palácio por dentro, com uma quantidade quase incontável de pinturas nas paredes e no teto, este último é todo dividido marcando as "molduras". Muito bonita mesmo. De estilo neoclássico, essa igreja do século XIX é uma das mais novas da Bretanha, e sua colunas internas são todas de mármore amarronzado, combinando com a pouca luminosidade do local.
Saindo da igreja peguei a Rue de la Monnaie, que também é cheia de casas lindas, e fui andando por um pequeno labirinto formado pelas ruas Sant Guillaume e Saint Sauveur, onde achei mais uma igreja, chamada, você só tem uma chance, Église Saint Sauveur. É incrível como Rennes tem igrejas... Enfim, entrei, e me surpreendi, por mais que ela parecesse sem graça por fora perto de todas as outras da cidade, ela é uma das mais bonitas por dentro, rivalizando com a Saint Pierre.
Foi nessa igreja, na verdade, uma basílica, que algo muito entranho aconteceu. Eu estava dando a minha volta pela nave, admirando as esculturas, vitrais e a arquitetura quando uma velhinha de cabelos completamente brancos e olhos profundamente azuis chegou perto de mim e perguntou: o que você está procurando? Ela me pegou totalmente sem guarda com essa pergunta. De repente comecei a pensar, bom, essa minha viagem parecia mesmo uma procura, mas não sabia bem do quê. Eu a tinha planejado de forma que parecia uma espécie de peregrinação, mas não consegui achar uma razão ou um objetivo nisso. Como eu fiquei calada e demorei a responder que, bom, eu estava ali de turista, ela perguntou de onde eu era. Respondi que era brasileira, no que ela replicou que o meu francês era muito bom (fiquei tão feliz!) e que eu lembrava uma amiga dela que também era do Brasil, que tinha vivido em Rennes alguns anos antes de voltar para os trópicos. Nisso ela indagou se no Brasil as pessoas eram católicas, eu disse que o país era muito católico sim, o que não deixa de ser verdade, o que a deixou muito contente e ela se animou: você sabia que aqui houve um milagre? É mesmo? Sim, no século XVI Maria apareceu ali (e ela me levou para o local dentro da igreja) e falou com as crianças que estavam rezando que os ingleses estavam se aproximando, as crianças contaram para todos e por conta disso a cidade teve tempo de se preparar para o ataque, que ocorreu uma semana depois e, claro, foi rechaçado. Nisso ela perguntou se no Brasil também havia aparições de Maria, e eu lhe disse que sim, que já tinha ouvido falar de algumas, o que a deixou feliz.
Fiquei meio abismada com a tal história e com o fato daquela senhora simpática estar me contando isso, assim, meio sem razão. Ela ainda me levou para um balcão ao lado da entrada e me entregou o folheto explicativo com a história da basílica (coisa muito comum na Europa, esses panfletos, e normalmente eles têm um preço simbólico de 1 ou 2 euros), eu lhe disse que estava sem dinheiro para pagar por ele, mas ela disse para não me preocupar, era um presente dela. Fiquei feliz e lhe agradeci muito, ela sorriu e perguntou o que eu tinha achado da igreja, respondi que era uma das mais bonitas da cidade, o que ela gostou de ouvir. Então saímos e ela indagou quanto tempo eu ficaria ali, lhe disse que infelizmente era só por um dia, pois eu estava rodando a França, ela ficou impressionada e perguntou aonde mais eu iria, e minha resposta a agradou muitíssimo, apesar dela achar que eu devia ver mais a Bretanha, e que tinha certeza de que eu iria adorar o Mont Saint Michel no dia seguinte.
Nos despedimos ali, e eu resolvi procurar um lugar para jantar. Aquela raclette não tinha sido o suficiente. Rodei novamente todo o centro histórico, à cata de um restaurante, mas ainda estava tudo fechado, com cara de que não ia abrir mesmo, apenas um pub ou outro estava aberto, mas eu queria um prato de verdade, não beliscos. Enquanto eu dava voltas cheguei a cruzar mais algumas vezes com a senhora da igreja, que sempre sorria e dava um leve aceno.
Resolvi que era melhor tentar no Av. Jean Janvier, aquela mais moderna que eu tinha visto de manhã, e dessa forma eu ainda estaria mais perto do hotel, o que era bom, pois minhas pernas estavam reclamando muito. Finalmente entrei num hotel que tinha um belo bistrô na entrada e comi uma salada simplesmente divina de peixes defumados, com um delicioso chá de caramelo (que eu tinha aprendido a apreciar no Japão) para acompanhar. Foi ótimo, comi saboreando cada pedaço enquanto tentava entender a conversa incompreensível de um grupo americano que mais pareciam rappers numa mesa próxima. Acabei desistindo e terminei aquele jantar maravilhoso. Voltei para o hotel e fui dormir cedo, estava cansadíssima e o dia seguinte seria longo, muito longo.

3 de maio - o "último" dia

Esse seria o último dia do Caike comigo na viagem, na madrugada ele pegaria o translado para o aeroporto e eu continuaria a dormir até a manhã do dia seguinte, continuando a viagem pela França. Por conta do futuro cansaço com as malas que seriam fechadas à noite e da já certa falta de sono, resolvemos que era melhor relaxar um pouco e dormir até mais tarde para descansar o máximo possível, sem perder tempo demais.
Dessa forma, acordamos razoavelmente tarde, e tomamos o café no hotel mesmo, com toda a calma do mundo. Pegamos o metrô e fomos visitar uma igreja que me recomendaram muitíssimo, a Madeleine. Essa construção, de arquitetura neoclássica, demorou para conseguir sair do papel. Inicialmente ela seria construída em meados do século XVIII, para substituir uma igreja consagrada à Madalena que, para variar, tinha se tornado pequena demais para a população da região. Porém, com o advento da revolução francesa, péssima época para construir igrejas, sua construção foi embargada, o terreno vendido, e muitas peças vendidas para artesãos. Mais tarde, Napoleão escolheu a localização para erigir um templo às forças armadas francesas, e escolheu o trabalho de um artista que se baseava nas antigas construções gregas e romanas, porém o templo não chegou a ser terminado por falta de dinheiro. Após a retomada do poder pelos monarquistas, a idéia de construir uma igreja voltou à tona, e depois de muitas idas e vindas com direito a inúmeras adaptações de projeto, em meados do século XIX, a Madeleine foi terminada e consagrada.


Hoje é uma das igrejas mais bonitas da cidade, bem mais baixa que as demais catedrais, pelo menos por fora, com muitas estátuas de santos por todo o lado de fora da igreja, alternando com as colunas neoclássicas. Tudo lotado de detalhes, de forma que não deixa nada a dever às construções góticas. Sua porta principal possui os sete pecados capitais escavados na madeira, e em cima há uma enorme cruz, que à noite se pode ver de uma grande distância por conta da iluminação vermelha.Por dentro a igreja também é neoclássica, lembrando muito o panteão, cheia de colunas e o teto repleto de afrescos. O altar principal é lindo de morrer, com uma lindíssima imagem da Ascenção de Madalena. Inclusive, em termos de estatuária, essa igreja é das mais bonitas que já vi, e também das mais controversas. Logo na entrada há uma coroação da Virgem que você jura de pé junto que é uma cena de casamento, com direito a alianças e tudo, e pelas longas madeixas de nossa senhora ela parece mais Madalena mesmo. Mas essa é outra discussão.
Até a música é diferente na Sainte Madeleine, o órgão aqui toca composições mais alegres e vivas. Posso dizer que foi uma das igrejas que mais me agradou em toda a viagem, com sua atmosfera calma sem ser austera, além de ser razoavelmente iluminada, com um destaque quase que desproporcional para o altar e, por consequência, a figura de Madalena. Aliás, a primeira visão desse altar é de tirar o fôlego, de tão bonita.De lá saímos rejuvenescidos pela beleza da igreja, para novamente pegar o metrô até o bairro da boemia de Paris e cenário do último filme francês de grande sucesso, Amélie Poulain: Montmartre.Descendo na estação, pegamos a primeira saída que vimos, e fiquei sabendo depois, a pior alternativa possível. Montmartre é um morro, o único da cidade, e o metrô continua sempre no mesmo nível. Resultado, pegamos uma escada para sair que não terminava nunca, e vimos vários turistas, e até mesmo parisienses, parando no meio do caminho para descansar, porque era muito difícil subir aquilo tudo de uma vez só, haja fôlego!
Chegando na superfície, pelo menos fomos recompensados pela vista da Place des Abesses, uma pracinha muito linda e bem calma, de cara para uma igreja com fachada art nouveau: Saint-Jean l'Evangéliste, também conhecida como Saint-Jean-de-Montmartre. Paramos para dar uma olhadinha nela, é claro. Essa construção, projetada por um discípulo do arquiteto responsável pela restauração da Notre-Dame, foi erguida durante a virada do século XIX para o XX, com muita influência art nouveau, é uma das raríssimas igrejas consideradas inovadoras datadas de antes da primeira guerra mundial. E ela é muito bonitinha mesmo, valendo uma visita quando se estiver passeando pelo bairro.
Nossa idéia era seguir um roteiro do meu guia de Paris, uma caminhada de 90 minutos por Montmartre (jamais acredite no tempo dessas caminhadas, sempre demora muito mais do que diz o guia). O problema é que a principal atração do quartier não estava no roteiro, a Sacré Coeur, e ainda queríamos procurar uma mala para o Caike poder voltar com tudo o que havíamos comprado até então, portanto resolvemos fazer um desvio nos nossos planos e ver primeiro o cartão postal do bairro, a igreja.
Se tínhamos achado a Torre Eiffel e o Trocadéro uma farofada, era simplesmente porque ainda não tínhamos visitado Montmartre. A entrada para parque onde fica a igreja é lotada de camelôs, e de pessoas tentando tirar dinheiro dos turistas tentando mostrar "truques". O negócio é fingir que nem tá vendo nada e passar batido, no máximo pedindo um "pardon" e um "non, merci". Passando da barreira humana, você chega no próximo obstáculo: as escadas. São muitas e parecem intransponíveis. Mas acredite, não é tão difícil quanto parece, e qualquer coisa você pode se divertir escolhendo qual delas pegar (tem 2 centrais e mais 2 laterais, sendo que as laterais têm sombra!) e mudando de escada nos platôs, de onde se tem uma bela vista da cidade, que vai melhorando conforme se sobe.
Nos platôs também tem mais camelô, só que um pouco menos concentrado (o espaço é maior), e dessa vez artistas de rua: estátuas vivas, palhaços, malabaristas, músicos... tem pra todo gosto. Ainda mais no final de semana, que foi quando fizemos nossa visita. E no gramado novamente se pode ver os parisienses no seu dia a dia de verão: todos esparramados na grama, lendo, ou batendo papo em rodinhas regadas a comida e a vinho... só que como aqui o terreno é inclinado, faz menos sucesso que o campo de marte e outros parques da cidade, como vim a descobrir mais tarde.
Fomos subindo as escadas debaixo de um sol maravilhosamente quente, do qual eu estava sentindo falta por conta dos dias anteriores, escolhendo as laterais por conta da sombra proporcionada pelas plantas. Fizemos uma parada estratégica no platô anterior à igreja, que tem belíssimas fontes de água (usadas como piscina pelas crianças), onde sentamos e descansamos apreciando a bela vista da cidade. Obviamente aproveitamos a ocasião para tirar um monte de fotos, inclusive muitas tentativas frustadas de tirar auto-retratos com Paris ao fundo (minha técnica de auto-retrato evoluiu muito durante a viagem). E quando nos demos por satisfeitos, fomos enfrentar a fila para entrar na Sacré Coeur.
Essa igreja na verdade é uma basílica, construída por conta de um decreto de 1873 para expiar os pecados dos communards (participantes da comuna de Paris) derrotados em 1871. Sua construção demorou quase 40 anos para ser terminada, e ela só foi consagrada depois da primeira guerra mundial. Em forma de cruz grega, suas cúpulas lembram muito as de uma mesquita por conta do formato, e ela é muito branca por fora por conta da pedra utilizada, o que a deixa lindíssima num dia claro de céu azul, como o que demos a sorte de pegar. Porém ela é cheia de restrições, mais do que a Notre-Dame! É proibido tirar fotos do interior da igreja, mesmo sem flash, com direito a seguranças expulsando os turistas que quebram a regra! O que, depois pensando bem, nem é tão terrível assim, visto que como a grande catedral, essa basílica é muito mais bonita por fora do que por dentro. Deve ser karma das igrejas famosas de Paris. A única coisa digna de nota no interior da Sacré Coeur é o mosaico da cúpula principal, que chama atenção pelo seu tamanho, não necessariamente pela sua beleza.
Quando conseguimos entrar estava começando uma missa. Resolvemos sentar e ver, eu estava na esperança de ouvir uma missa polifônica ou um canto gregoriano... mas ao invés disso, era só o padre falando mesmo, as pessoas se acotovelando para visitar a igreja e turistas sendo expulsos por tirar fotos. Para piorar do meu lado sentou um autêntico francês... com um cheiro que perfume nenhum conseguia disfarçar. Esperamos até o máximo da nossa paciência para ver se tinha algum tipo de canto, e quando percebemos que ia ser só aquilo mesmo, discretamente nos levantamos e fomos embora.Decretamos então que era hora de começarmos nosso walking tour. Fomos direto para uma das maiores ruas do quartier, a Boulevard de Rochechouart, onde, logo percebemos, é a rua da Alfândega de Paris. Era ali mesmo que acharíamos a mala por um preço em conta. Entramos numa loja e perguntamos pela marca que o Caike queria, Samsonite. Não tinha. Continuamos andando e achamos outra loja, que também não tinha, porém a vendedora foi muito simpática e nos indicou um lugar que ela sabia que teria. Lá fomos nós atrás da tal loja, que conseguimos achar! E tinha a maior cara de loja do Saara... só que os produtos pareciam verdadeiros. Fomos para o segundo andar, onde ficavam os modelos Samsonite, e fomos atendidos por um francês/argelino muito simpático que arranhava português. Acabamos por comprar 2 malas, uma para o Caike, bem parecida com a que eu estava levando na viagem, só que de melhor qualidade, e outra para mim, só que dessas tipo sacolão, que eu queria guardar dentro da minha mala, porque meus instintos diziam que eu iria precisar de uma. Guardamos uma dentro da outra e partimos para conhecer as ladeiras do bairro mais boêmio de Paris.
Pela nossa localização começamos o tour no sentido contrário e do meio do caminho, o que complicou um bocado na hora da gente achar as ruas para entrar, mas conseguimos nos virar e ainda antes do almoço vimos o prédio onde funcionou o famoso Chat Noir (o teatro de sombras), o cinema mais antigo de Paris (e provavelmente do mundo, que hoje abriga um teatro), o primeiro cabaré de cancã do quartier, e uma das casas onde viveu Van Gogh! Diga-se de passagem, o holandês me perseguiu pela Europa... mas não vou adiantar a viagem.
Fomos seguindo o roteiro até o seu início, a Place Pigalle, descrita como um lugar animadíssimo! É realmente bastante cheia... é uma praça bem grande, com um sem número de restaurantes e mais algumas casas de "show", leia-se strip tease. Como estávamos carregando a mala a tiracolo (na verdade era o Caike que carregava a mala no ombro), achamos que ali nós teríamos um boa diversidade de lugares para escolher onde almoçar. Entramos num bistrô cujo menu na porta parecia atraente e sentamos. Entregaram o menu oficial e começamos e escolher... logo percebi que eu não estava gostando muito daquelas opções... puro mal-humor de cansaço, mas precisava descontar em algo, né? O menu não tão interessante era a melhor vítima. Então levantamos e saímos.
Fomos dando a volta pela praça e decidimos tentar novamente num bistrô com um jeitão bem alternativo, parecendo uma mistura improvável de comida francesa com indiana, um leve toque árabe e uns pratos bem orientais (chineses mesmo). Pra completar a bagunça cultural e fazer uma boa demonstração do que é a globalização estava tocando Seu Jorge no fundo, o que foi ótimo... eu já estava com saudade da música brasileira.
Enfim, era ali mesmo que mataríamos a fome, pegamos o menu com o garçon e foi aí que aconteceu o único incidente esquisito com garçons na França: ele nos entregou o menu com a comida e a carta de vinhos, mas nós estávamos cansados e não queríamos beber nada alcoólico, então eu pedi a ele o menu com as outras bebidas. Inconformado que alguém pudesse almoçar bebendo algo que não fosse vinho, ele mal educadamente me perguntou "afinal o que vocês querem, comer ou beber?", no que eu tive que responder controlando o meu mau humor com unhas e dentes que iríamos comer sim, mas não beberíamos nada com álcool. Ele olhou estranho, mas trouxe o outro menu. Pedimos pratos de massa tipo wok (é a panela usada para fazer yaksoba), eu pedi um suco de laranja de verdade (laranjas prensadas em francês) e o Caike pediu um capucchino gelado. Depois que já estava tudo resolvido o garçon não incomodou mais, só nos perguntou se queríamos sobremesa e ouvindo a negativa, perguntou se queríamos a conta. No meio desse processo ele levou um esporro do gerente, porque não tinha servido a nossa mesa de pão e água, coisa que outro garçon acabou por fazer atirando as coisas na mesa.
Por conta da localização da praça e pela experiência com o caminho inverso do guia, decidimos que era melhor fazer o tour pela direção certa, então andamos novamente pela Boulevard de Rochechouart e subimos novamente as ladeiras que dão na Sacré Coeur, mas dessa vez para encontrar a Montmartre bucólica e histórica. É nessa parte do bairro que se encontram os antigos e atuais estúdios dos artistas, construídos do século XIX até o início do século XX. Um dos primeiros que vimos foi de Picasso, que infelizmente pegou fogo, mas como era um conjunto de ateliers, ainda tem a entrada intacta. Esse "conjunto artístico-habitacional" fica no alto de uma escada que também proporciona uma bela vista, ponto imperdível.
Dali fomos seguindo o nosso circuito e novamente encontramos a farofada na place du Tertre, onde existe uma imensidade de bares disputando cada centímetro disponível, e as pessoas disputam as moléculas de oxigênio. Ali perto fica o museu do Montmartre, que parece bem pequeno por fora, além de ter um aspecto mambembe, que combina com o quartier. Como não parecia tão interessante assim, passamos direto. Também passamos em frente a um museu com muita cara de improvisado do Salvador Dali, que parecia menor ainda e estava com uma fila enorme na porta. Passamos direto também.
Dali seguimos para baixo, numa rua onde, dizia o guia, tinha o belo vinhedo de Montmartre, que nem é belo nem cara de vinhedo tem. Mas as casas em volta e a vista valem o passeio. A partir desse ponto até os antigos moinhos do bairro (existem ainda 2 para contar a história da época que o morro era apenas plantações, pintadas por, adivinha, Van Gogh), é cheio de ateliers de artistas vivos (porque Renoir, Van Gogh e Picasso são muito legais mas não produzem nada há anos), e chegamos a ver um conhecido dos pps da internet! Aquele que faz rostos com desenhos de livros abertos, capas e lombadas... inclusive ele estava lá dentro, lendo um livro.
No mesmo caminho passamos pela casa onde viveu a cantora Dalida, nascida no Egito e de origem italiana, famosérrima no meio da música árabe (foi a precursora na Europa cantando em francês, árabe, espanhol, italiano, inglês...) e da chanson française, mas cuja vida foi cheia de altos e baixos, o que a levou a se jogar da janela de sua casa em Montmartre em 1987. Numa pequena praça bem perto dessa casa há um belíssimo busto em sua homenagem, onde, é claro, tirei uma foto.
A partir daí é só descida até a rua do Moulin Rouge, que só havíamos visto à noite e onde tiramos fotos dessa vez, que é entupida de sex shops e de casas de "show" provavelmente mais quentes do que o moinho vermelho. Assim, terminamos o nosso tour pela boemia e fomos providenciar o jantar. Como o bairro é mais residencial achamos facilmente uma padaria, onde compramos uma bisnaga enorme, e uma loja de queijos. Como eu adoro queijo mofado e o Caike gosta de Camembert e de Brie, achamos que dava pra arriscar alguns queijos mais franceses que fossem mais "frescos". Entramos e escolhemos uns 3 tipos de queijo bem branquinhos... porque tinha uns que simplesmente não davam, de tão pretos ou verdes ou azuis, e fomos para a nossa sessão mala.
Chegando no hotel, fiz uma aposta com o Caike, que eu obviamente ganhei, de que conseguiria colocar tudo na mala nova dele. Com tudo fechado analisamos o peso dela e percebemos que não ia dar certo, porque era óbvio que ela tinha mais do que os 20 quilos que a Ibéria permitia. Então, dividimos o peso na mala nova e na mochila de camping velha. Aí foi a minha vez de fazer mala, que ficou bem razoável, pois a idéia era fazer uma mochila pequena para dormir apenas um dia fora e eu deixaria o resto das coisas no hotel mesmo, para onde eu voltaria e ficaria num quarto single.
Descemos e pagamos a conta, porque não daria pra fazer isso às 5 horas da manhã, quando o Caike iria pro aeroporto. Depois fomos jantar! Abrimos os queijos... e o quarto se tornou insuportavelmente fedorento. O cheiro era tão forte que o Caike nem conseguiu experimenta-los, ficando a tarefa de acabar com eles pra mim. Fiz um enorme esforço e consegui comer um pouco menos da metade, junto com o vinho. Deixamos tudo pronto para a correria da despedida e fomos dormir o pouco que dava.

2 de maio - o dia que matou os pés

Nesse dia fizemos um esforço e acordamos ainda mais cedo que no dia anterior, pois a programação era extensa e começava mais cedo que o normal. Por conta da hora tomamos café da manhã no quarto mesmo, e no escuro, pois faltava luz em Paris. Na Europa eles também sofrem com esses problemas comuns, com a diferença de que eles são resolvidos mais rapidamente. Quando saímos já estava tudo de volta ao normal.
Pegamos o metrô morrendo de sono, mas eu estava ansiosa, a nossa primeira parada era o cemitério Père Lachaise, um lugar que eu morria de vontade de conhecer. Não é exatamente um ponto turístico comum, mas mesmo assim é muito famoso e muito frequentado, inclusive por parisienses, especialmente por namorados. Dá logo pra perceber que não é um cemitério comum, né? Apesar de eu gostar de visitar cemitérios comuns... costumam ser bonitos e muito calmos.
Para facilitar a vida, antes da viagem eu imprimi um mapa do cemitério com a localização de todos os túmulos que eu queria visitar, o que foi a maior mão na roda, porque não há mapas disponíveis na entrada. Mas uma das lojas de flores perto do portão principal vende um guia por uns 2 euros, o que é um absurdo.
Chegamos lá, pra variar, antes dele abrir. No meu guia o horário de abertura estava errado, dizendo que abria às 7h quando, na verdade, abria meia hora depois. Ficamos na porta principal, batendo papo e observando Paris acordar bem lentamente. Quando ouvimos o vigia chegando, com o característico barulho do molho de chaves. Ouvimos a fechadura sendo destrancada e a porta se abriu devagar, fazendo aquele barulho de madeira que dá nos nervos típico de filme de terror. E no fundo o som dos corvos... ficamos arrepiados e por um instante exitamos, entrávamos ou não? Respiramos fundo e fomos em frente.
A entrada principal dá para uma grande avenida com o monumento aos mortos no fim, que é muito bonito e comovente. Éramos os únicos andando por ali, e fomos invadidos por um sentimento estranho, uma espécie de respeito profundo por aqueles ali enterrados. Logo percebemos que não conseguiríamos tirar nenhuma foto, essa seria uma experiência que seria nossa, apenas nossa. Cada um tem que ir por si mesmo visitar aqueles que lhe tocaram a alma e descansam nesse lindo lugar.
Começamos pelo monumento do pintor Théodore Géricault, que é belíssimo, com uma placa de ferro que contem uma cópia do seu quadro mais famoso, "Le radeau de la méduse". Perto do seu túmulo tem mais um artista romântico, Frederic Chopin, com sua tomba coberta de flores trazidas pelos fãs, que até hoje são numerosos, e com uma linda estátua de uma mulher que sofre por sua perda com uma partitura no colo.
Dali fomos atrás de mais um músico, só que mais moderno, Jim Morrison. O rebelde que morreu de overdose em Paris atrai multidões para o seu túmulo, que de tanto ser vandalizado pelos fãs (rebeldes também, é claro) é cercado por uma grade com um cartaz de proibido passar. Mas isso não impede as pessoas de chegarem mais perto e cobrir a tumba de velas pretas e vermelhas, break on through to the other side!
Dali continuamos no mundo da música popular, só que francesa, visitando uma grande estrela da chanson française, Édith Piaf, de quem eu nunca realmente gostei da obra, mas me apaixonei pela pessoa vendo o filme Hino ao Amor. Seu túmulo é difícil de achar, porque traz o nome da família Gassion - Piaf (esse último nome é apenas artístico e significa pardal) e o nome real da artista Édith Giovanna Gassion. Ele é coberto de flores e placas de homenagem dos fãs e fotos, uma coisa muito emocionante de ver.
Dali fomos visitar um lugar histórico dentro do cemitério, o muro dos federados da comuna de Paris. Esse importante movimento, considerado por Marx a primeira insurreição proletária da história, pode ser resumido como a tomada do poder da cidade de Paris pelo povo. Esse movimento durou uns 2 meses, terminando na semana sangrenta, quando o governo invadiu Paris com a ajuda dos exércitos de outros países e matou quase todos aqueles que participaram da Comuna. Um dos últimos momentos da insurreição se passou no cemitério, onde se deu uma das últimas batalhas e a mais famosa execução sumária dos communards, que ocorreu durante a noite, onde 147 deles foram executados a tiros e enterrados numa vala comum ao pé do muro. Hoje há uma placa no local, em homenagem aos mortos daquela noite, e é um dos poucos lugares do cemitério sem túmulos. E até hoje o partido comunista e várias pessoas de esquerda deixam flores (cravos vermelhos na sua maioria) ao pé do muro e nas suas saliências. Para deixar ainda mais tocante, é nessa área do cemitério que se encontram os monumentos aos mortos da primeira e da segunda guerras mundiais, uma profusão de homenagens àqueles que morreram por suas convicções que deixa os olhos cheios de lágrimas.
Emocionados, continuamos nosso tour para o próximo túmulo que queríamos visitar: Oscar Wilde. Sua tumba é na verdade uma esfinge em pleno vôo, coberta de beijos pelas visitantes. Sua fama de dar sorte no amor (e na cama) leva as mulheres a beijarem o monumento e até o pênis da estátua foi furtado. A persistência feminina (eu acho, pode ser que tenha homens no meio também, né?) é tão grande que mesmo com uma placa pedindo que as pessoas não beijem o túmulo, que precisa ser sistematicamente limpo, ele está repleto de marcas de batom, que se intensificam em número conforme ai chegando perto dos órgãos sexuais. Uma loucura! Aproveito para avisar: não beijei o túmulo! Acho isso nojento!
Dali fomos visitar uma pessoa muito especial para mim, que foi cremada e por isso se encontra num carneiro no centro do cemitério, onde fica o crematório: Isadora Duncan. Minha idéia era dançar na frente do seu túmulo em homenagem à bailarina que quebrou as regras do balé clássico. Infelizmente havia um enterro acontecendo no crematório, e por conta das pessoas chorosas e vestidas de preto eu fiquei sem graça de sair dançando. De qualquer forma fiquei emocionada com essa visita, pois não imaginava que a tumba da Isadora fosse tão simples, e é uma das poucas sem flores, há apenas uma frase escrita com canivete na pedra sobre a dança. Os bailarinos se expressam de forma mais etérea mesmo. Foi o único lugar que eu tirei foto no cemitério, o que é engraçado, visto que existem poucos registros visuais dessa bailarina, e apesar de já existir cinema na sua época, não há filmes da sua dança.
No mesmo local estão as cinzas de mais uma artista, Maria Callas, a famosa cantora de ópera. Começamos a procurar pelo seu carneiro, e eu cheguei a me animar quando ouvi uma visitante cantando ali perto, mas não conseguimos achar. Procuramos em todos os cantos mas Maria Callas resolveu se esconder.
Acabamos por desistir dela e fomos atrás de homens das letras, Marcel Proust e Guillaume Apollinaire. Novamente tivemos dificuldade em encontrar os seus túmulos, mas pelo menos conseguimos achá-los. Eles ficam bem no meio das divisões, o que dificulta muito a localização, pois você tem que andar por entre as tumbas para encontrá-los, e elas são muito grudadas umas nas outras, para passar é muito complicado. Em algumas ocasiões é necessário pisar em algumas, o que dá uma sensação muito desagradável.
Dali fomos procurar mais um ídolo da chanson française, Îves Montand, que está enterrado junto ao grande amor de sua vida, Simone Signoret, sua primeira esposa. Seu túmulo também está cheio de flores e declarações dos seus fãs. Muito bonito.
Perto dele está outra celebridade, mas de natureza religiosa, Allan Kardec. Quando chegamos uma mulher estava prestando homenagem ao criador do espiritismo, colocando mais um vaso de flores no já lotado túmulo. Aliás, esse é um dos túmulos mais interessantes do cemitério, pois está coberto de frases famosas de Kardec sobre a morte, a vida e a reencarnação. Fiquei um tempo lendo todas elas, todas muito oportunas naquele lugar.
Nossa próxima parada foi tentar encontrar Sarah Bernhard, a famosa atriz. Mas depois de Isadora Duncan, não conseguimos mais achar nenhuma mulher, procuramos exaustivamente por ela sem sucesso. Entramos por diversos lugares e passamos por cima de diversos túmulos, mas nada adiantou.
Acabamos por desistir dela também e fomos para um novo desafio: encontrar os túmulos de Jean de la Fontaine (o escritor de fábulas) e de Molière! Pelo mapa, eles estavam enterrados juntos, e começamos nossa procura, tendo que novamente nos embrenhar pelo meio das tumbas. Chegamos a encontrar um túmulo com jeito muito antigo, com os nomes muito apagados na lápide, e um deles tinha o sobrenome de la Fontaine, mas não tinha Molière. Ficamos na dúvida, será que era aquele mesmo? Continuamos a busca e acabamos por encontrar o lugar certo, que é de honra, pois tem até um cercado envolta das tumbas, de formato bem clássico e até austero. Fiquei surpresa pela falta de flores e de homenagens... talvez eles sejam antigos demais pra isso. Mas quando saímos de lá um grupo de jovens de outro país chegou mais perto e nos perguntou se falávamos francês, eu disse que eu falava, e eles estavam a procura justamente do túmulo de Molière, o autor ainda tinha admiradores jovens. Feliz mostrei no meu mapa e expliquei como chegar lá, eles agradeceram e perguntaram onde poderiam conseguir um mapa também. Disse-lhes que havia trazido de casa, e eles ficaram meio decepcionados, pois andar naquele cemitério sem um guia é pedir pra se perder e se cansar mais do que o necessário, já que o solo é muito irregular e é preciso subir e descer ladeiras o tempo todo.
Deixamos os jovens seguirem o seu caminho e continuamos nosso tour, a próxima visita seria a Dominique Ingres, um dos pintores orientalistas que eu adoro. Seu túmulo não é artístico como o de Géricault, mas também é comovente. Perto dele está outro pintor renomadíssimo, Eugène Delacroix, cuja obra romântica é belíssima, e também criou muitas obras orientalistas importantes.
Já estávamos cansados, e agora só faltava uma pessoa para visitar, Georges Mélies, um dos primeiros cineastas da história, e o primeiro a utilizar efeitos especiais, quando o cinema ainda engatinhava e era mudo. Seu túmulo também carece de flores e não é exatamente fácil de encontrar, mas seu busto é um dos mais interessantes do cemitério, pois ele é retratado sorrindo.
Finalmente saímos do Père Lachaise, encantados com a nossa visita, que havia durado muito mais do que tínhamos programado. Já era quase hora do almoço e a programação do dia extensa. Pegamos uma avenida principal e andamos rápido, dando apenas para observar que o bairro onde estávamos era bem mais residencial que os que tínhamos conhecido até então, com muitas mulheres empurrando carrinhos de bebês (a maioria deles duplo, mas com crianças que nem pareciam irmãs dentro, o que me faz desconfiar de que se tratavam de babás), muitos idosos caminhando lentamente e fazendo compras numa das inúmeras lojas de comida, principalmente queijarias, padarias e pequenos comerciantes de frutas e legumes da região.
Seguindo a tal avenida terminamos por chegar na Place de la Bastille, onde um dia esteve a famosa prisão do regime monárquico, queimada pelas forças revolucionárias. Hoje há um grande monumento em memória aos cidadãos franceses que participaram dos "memoráveis dias 27, 28 e 29 de julho de 1830", com uma espécie de anjo dourado no topo. É uma imagem muito famosa da cidade. E aproveitamos para tirar as primeiras fotos de verdade do dia, com direito a pagação de mico típica de turista, daquelas que as pessoas param para olhar e segurar o riso.
Na praça estava acontecendo uma grande feira de arte também, mas tínhamos ainda muita coisa pra ver e resolvemos passar longe da confusão. Enquanto dávamos a volta necessária para continuar nosso caminho, passamos na frente de um bistrô com um jeitão muito simples, mas que tinha um menu completo por um preço muito tentador. Como já era meio dia, o lugar tinha acabado de abrir e por isso estava vazio, achamos que seria um bom momento para pararmos e almoçarmos logo de uma vez. Nossas pernas já estavam doloridas e ainda queríamos visitar dois museus, seria bom fazer uma parada estratégica.
Sentamos e pedimos nossos pratos, além de uma taça de vinho rosé para mim e uma cerveja para o Caike. A comida foi uma das mais simples que comi em toda a viagem, mas estava razoável, se comparada com o que se vê em restaurantes brasileiros estava muito acima da média.
Terminado o almoço, continuamos num passo apertado até o Institut du Monde Arabe, que já tínhamos passado em frente, mas agora iríamos visitar. É uma construção ultra-moderna, com painéis ajustáveis que deixam passar a exata quantidade de luz para iluminar o interior e por dentro muita coisa é de vidro, de forma que você consegue ver o hall de entrada muitos andares acima do solo. O Caike quase desistiu de ver as exposições quando perceber que teria que andar vendo a altura em que estava (as exposições ficam nos andares mais altos), mas se convenceu quando viu que só o corredor central tinha esse problema, era só evitar olhar para o centro enquanto usávamos as escadas.
Começamos nossa visita indo para o subsolo, onde tem uma loja de produtos árabes. Eu procurava lenços de moedas, cds e dvds. Tinha isso tudo, mas os lenços era tão caros quanto aqui, então não valiam a pena, os cds também, apenas alguns dvds de festivais de dança no Egito estavam com preços aceitáveis e eu acabei comprando 3. De lá subimos direto para a exposição permanente, que não precisamos pagar para ver por conta do sagrado museum pass, e que ocupa uns três ou quatro andares do instituto, valendo muito a pena ser visitada se você gosta de arte islâmica. Ela é organizada em ordem cronológica e por temas, e contem quase todo tipo de artefato, desde fragmentos de vasos e pratos de cerâmica, até tapetes e roupas, além de muitas iluminuras do Corão, é claro. Tudo belíssimo. Uma das partes mais interessantes é sobre os árabes e a ciência, que tem muitos astrolábios interessantíssimos, relógios e livros de matemática. Eles eram mesmo muito avançados até pouco depois das cruzadas, quando resolveram se fechar para o mundo.
Saindo da exposição eu carreguei o Caike para a livraria. Eu sabia que seria uma tentação louca, mas também não podia deixar de visitar e ver que preciosidades eu poderia encontrar. Resisti à tentação das sessões de contos e literatura e fui direto para o que eu sabia ser a maior raridade para uma bailarina de dança do ventre: a parte de livros sobre música árabe. Ali acabei comprando 3 livros sobre música, com estudos maravilhosos e que provavelmente jamais serão publicados no Brasil. Enquanto eu me perdia entre as letras, o Caike me puxou e disse: Eu acho que eu não devia fazer isso e provavelmente vou me arrepender, mas sei que você vai gostar, então vem cá. Eu o segui e ele me mostrou a sessão de cds. Era tão grande e tão bem classificada que meu queixo caiu. Ele virou novamente pra mim, "promete que vai ser rápida?", eu fiz que sim com a cabeça, deixei os livros com ele e freneticamente comecei a ver os títulos classificados em danse orientale. Todos pareciam ser maravilhosos e a minha vontade era de levar tudo pra casa, mas nenhum deles estava em promoção, e, portanto, estavam caríssimos. Foi o que me fez conseguir sair de lá sem estourar o cartão de crédito, pois acabei por só comprar os livros, repetindo como um mantra para mim mesma que eu já tinha comprado mais de 10 cds na fnac e na loja que visitamos ali perto dias antes e eles eram mais do que suficientes.
Finalmente conseguimos sair do instituto e nos dirigimos para o museu Cluny. No meio do caminho, ao percebermos que estávamos próximo da Notre Dame, e que estávamos dentro do horário, resolvemos dar uma volta um pouco maior e visitar a cripta da Notre Dame, que estava fechada quando tentamos visitar.
Chegando lá, mostramos nosso museum pass e entramos. A cripta na verdade é uma grande escavação que mostra as fundações dos primeiros prédios da île de la Cité, quando a cidade ainda se chamava Lutécia, e vai mostrando as diversas fases de edificação da ilha até a primeira igreja que depois foi substituída pela catedral. Uma exposição realmente impressionante, com as escavações bem iluminadas e identificadas, de forma que dá pra brincar com os luzes e ir acendendo cada pedaço de uma vez, facilitando a identificação das ruínas. Muito legal de visitar, mesmo.
Tomando conta para não perdermos a hora, saímos da cripta e fomos direto para o museu de arte medieval Cluny. Esse museu fica num prédio muito antigo, que contem no seu subsolo as ruínas das termas romanas de Lutécia, uma das mais bem conservadas da França, e cuja arquitetura é predominantemente gótica. O prédio, na verdade, era a abadia de Cluny e foi nacionalizada durante a revolução francesa, sendo dividido entre muitos proprietários particulares. No meio do século XIX, Alexandre du Sommerard se instala e lá coloca sua coleção de arte, que acaba sendo tomada pelo governo, que tomba a construção e abre o museu.
A entrada já chama muita atenção, com muitos arcos com detalhes góticos, uma torre com um relógio de sol e um velho poço. Dali se entra no museu, começando a exposição justamente pelas galerias do subsolo, repletas de placas de pedra esculpidas do período gallo-romano e esculturas vindas das diversas reformas da Catedral de Notre-Dame. Dali se segue para as salas das termas, que estão absurdamente bem conservadas, porém muita coisa estava em reforma, de modo que não pudemos ter uma melhor visão da grandiosidade da construção romana.
Dali se segue para a parte de estátuas da idade média, com muitos santos em madeira e pedra. Todos belíssimos. E assim você vai se preparando para ver um dos carros-chefe do museu, a coleção de 6 tapeçarias medievais conhecida como A Dama e o Unicórnio. É uma coleção lindíssima, com as cores ainda vivas, e que segundo um livro que eu li (Maria Madalena e o Santo Graal) é uma alegoria mostrando que Madalena é o Santo Graal.
Depois temos ainda mais estátuas de santos, predominantemente de Maria Madalena e Nossa Senhora, e então se chega na capela da abadia de Cluny. Essa capela de estilo gótico é linda de morrer, o teto é todo trabalhado em pedra, mais parecendo uma teia de aranha de tantos detalhes e nervuras. As paredes são apinhadas de arte religiosa do acervo do museu, dando a sensação de que se está numa capela mesmo e não num museu.
A sala seguinte já tem um tema quase inverso, mas que tem muito a ver com a religião católica e a sua história: as armas medievais. É o máximo ver todas aquelas armaduras, maças, lanças, espadas e arcos e flexas, muitos dos quais estão muito bem conservados.
Acabamos de ver a exposição quase na hora do museu fechar, e quando saímos demos de cara com uma loja que estávamos namorando há alguns dias, mas que estava sempre fechada quando passávamos em frente. Dessa vez ela estava aberta! Entramos e nos perdemos no paraíso nerd: uma loja repleta de figuras de Guerras nas Estrelas, mangás e desenhos animados, além de uma sessão enorme de quadrinhos e de mangás. Como não iríamos comprar nada, tiramos algumas fotos com alguns ítens interessantes. Até que o Caike viu uma caneca do Snoopy e não resistiu. Enquanto ele se segurava para não levar mais nada, eu achei um livro em inglês do Calvin e Haroldo, e ele novamente cedeu ao consumismo. Resolvemos então que era melhor parar de procurar coisas e ir embora.
Dali, carregados e felizes, fomos para a Torre Eiffel, dessa vez iríamos enfrentar a fila e subir, pois não podíamos deixar de visitar o cartão postal mais famoso de Paris. E a fila era grande mesmo. Dava voltas e voltas em si mesma. Uma coisa desanimadora para quem está cansado de andar o dia todo.
Enquanto o Caike foi para a fila eu fui para a lanchonete providenciar o nosso "jantar". E comemos de pé mesmo, enquanto observávamos os turistas de todo o mundo passando de um lado para o outro. Eu estava esgotada, e bem desanimada pelo cansaço, o Caike vendo o meu estado, disse que ficava na fila e que eu podia ficar sentada num dos bancos debaixo da torre para descansar, já que eu precisava estar em forma para animá-lo quando ele tivesse vertigem lá em cima. De muito bom grado aceitei a proposta, e fui mudando de banco conforme a fila andava para ficar mais perto possível dele.
Depois de mais de duas horas de espera chegou a nossa vez de comprar os ingressos. Compramos para ir até o terceiro e último andar, e dali fomos para a fila seguinte, a do elevador. A diferença é que ali já não há mais organização nenhuma, é só empurra empurra mesmo, bem do jeito que o francês gosta.
O elevador é original, da época da construção da torre, portanto ele é lerdo, absurdamente lerdo. Demora uns 15 minutos entre uma subida e outra, deixando todo o processo muito lento. Fomos direto para o segundo andar, onde é preciso trocar de elevador para chegar no terceiro, como já estava tarde fomos direto para a fila, que quase que dá a volta na torre, de forma que os turistas que não vão subir mais ficam pedindo para passar e tirar foto da beirada da varanda. O Caike, coitado, já estava nervoso ali, e ficou o tempo todo com a mão em alguma pilastra para dar um pouco de sensação de segurança. Já eu me animei com a vista da cidade que eu sonhava em visitar há 10 anos e nem sentia mais as pernas reclamando, apesar de ter abusado delas durante o dia inteiro.
O segundo andar da torre já é mais alto que o Arco do Triunfo e não possui grades, fora que o chão é levemente inclinado para fora, dando uma sensação meio estranha mesmo. E ainda tem o vento frio, já que era quase oito horas da noite e o sol iria se pôr em pouco tempo, deixando a temperatura mais baixa.
Depois de mais uns 30 minutos na fila entramos novamente no elevador, indo para o último andar, que pelo menos tem grades na varanda, e uma escada que dá para uma micro sala, praticamente no topo da torre, com uma vista magnífica da cidade. Nesse ponto é tão alto e venta tanto que a sala é toda fechada com vidro para proteger os visitantes. Ali, o Caike resolveu que a parede era o melhor lugar pra ficar, enquanto eu me expremia contra o vidro para tirar as melhores fotos possíveis do pôr do sol, um espetáculo belíssimo numa cidade fantástica que começava e se iluminar.
Quando já estava praticamente escuro e não dava mais para fotografar direito, cedi aos apelos do Caike para irmos embora. Pelo menos para descer tinha menos fila, pois já estava tarde e a maioria das pessoas já tinha ido embora.
Chegamos ao solo quando já era noite fechada, e fomos direto para o metrô, pois nossos pés estavam pedindo arrego e nós estávamos além da exaustão. Chegando no hotel eu ainda fui lavar roupa antes de dormir e depois capotei num sono tão pesado que nem sonhei. Mas também, quem precisa sonhar a noite quando passou o dia inteiro num deslumbre só?