Acordamos bem no Hotel em Çannakale, pois não arriscamos o
ar condicionado, e sinceramente não precisava. Como não sabíamos o que fazer
com as malas, as levamos nós mesmos para a recepção (depois descobrimos que era
só deixar na porta do quarto... enfim, ficaria para o dia seguinte), e depois
de fechar a conta, fomos tomar café. Novamente tivemos aquela sensação de que o
hotel na verdade não é tão chique quanto aparenta ser... de longe o café da
manhã parecia muito variado, mas era pura ilusão. Não havia chá disponível, o
café era servido numa máquina bem ruinzinha da Nescafé, e era tão ou mais
aguado que o chocolate quente (quando chegava no final da porção servida na
máquina dava para ver que só saía água). Na hora de sairmos fui ao banheiro,
que além de não estar com as pias funcionando, havia um homem, empregado do
hotel, dentro, procurando algo dentro de um armário, sem nenhum aviso na porta.
Ainda bem que eu não tenho problemas com esse tipo de coisa, pois os banheiros
têm portas, né? Depois saí correndo para o ônibus, pois eu passo muito mal se
não sentar na frente.
Quando todos já estavam no ônibus partimos em direção a
Pérgamo, que hoje em dia se chama Bergama. No caminho ainda passamos por dois
montes importantes (tipo, estão na mitologia), mas eu só me lembro do nome de
um deles: monte Ida. Juro que procurei informações sobre a geografia da Turquia
em português, inglês, francês e espanhol, mas não achei o raio do nome do
segundo monte. Talvez tenha em turco na internet, mas aí é incompreensível,
fico devendo a informação.
A primeira parada técnica foi numa loja de produtos feitos
de azeite, pois essa região da Turquia é uma grande produtora de oliveiras (e,
logo, de azeite). A loja tinha de tudo o que você pode imaginar feito de
azeite: sabonete, xampu, condicionador, hidratante – de corpo e para as mãos,
óleo de banho, e, claro, azeite. O nome da marca de xampu e do óleo de banho
era o máximo: Captain Troi.
Compras à parte, aproveitamos para tomar um chá preto,
enquanto os outros ônibus de turismo não havia chegado (depois eles chegaram e
a loja, que era bem pequena, virou uma sucursal do inferno). Na hora de pagar,
eu paguei a minha parte e o Caike foi pagar a dele e resolveu aproveitar para
treinar o turco, e tascou um “obrigado”: teşekkür ederim (lê-se texekur ederim).
Veja bem, a tal loja era um estabelecimento familiar, que nem aceitava cartão
de crédito. No caixa estava o dono com o filho, que devia ter uns 6 ou 7 anos
de idade. Já mencionei que crianças podem ser muito engraçadas? Pois bem, o
garoto olhou para o Caike, caiu na gargalhada, virou para o pai e repetiu “teşekkür
ederim hahahahahaha”. O pai riu e fez uma cara meio sem graça para a gente, que
devolvemos com um olhar que queria dizer “tudo bem, não tem problema o seu filho
rir na nossa cara desse jeito”. Tenho orgulho de dizer que isso não impediu o
Caike de continuar repetindo “teşekkür ederim” no resto da viagem. Mas até hoje
fico imaginando o que o Caike disse de errado, porque sinceramente não consegui
perceber a diferença para o resto dos turcos, mas eu já desisti dessa língua
mesmo...
Depois de mais um bom tempo no ônibus finalmente chegamos a
Pérgamo! Pérgamo é uma cidade da Grécia Antiga muito famosa por duas coisas:
ter inventado o pergaminho (faz sentido, né?) e ter o hospital de Galeno (o tal
médico famoso mesmo!), que era um hospital/templo onde nenhum paciente morria.
Agora uma história de cada vez: o pergaminho foi inventado porque naquela época
todo o material usado para escrever vinha do Egito, isto é, se usava papiro,
mas o Egito começou a ficar preocupado com a sua dominância na área intelectual
quando soube que a biblioteca de Pérgamo estava em as 3 maiores do Mundo
Antigo, e eles resolveram parar de exportar papiro. O governante de Pérgamo
ficou extremamente preocupado com isso, e ordenou que todos os seus sábios se
voltassem para a busca de um novo material para a escrita. Então nasceu o
pergaminho, que era feito de couro de cabra, e ainda era melhor do que o
papiro, pois podia ser usado para escrever dos dois lados!
Agora sobre a cidade de Pérgamo. A cidade fica numa área
montanhosa, e no alto da montanha tem uma acrópole (como toda cidade grega
antiga). Nessa acrópole tem um templo dedicado a Zeus. Apesar de esse templo
ser maravilhoso, lá nos idos do final do século XIX, início do século XX, tinha
um alemão (é sempre um alemão) que estava construindo estradas de ferro pelo o
que hoje é a Turquia. Ele precisava de pedras para concluir o seu trabalho, e
quando perguntou para os habitantes de Bergama onde ele podia encontrar pedras,
eles indicaram “no alto daquela montanha”. Bom, era a acrópole de Pérgamo, onde
ficava o tal templo. O alemão ficou tão maravilhado com o que viu que convenceu
o seu país a comprar (!!!) o altar do templo, por uma quantia até bastante
irrisória, e o sultão vendeu.
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Um belo zoom da Acrópole |
Enfim, o tal templo, sem o altar (que está até hoje na
Alemanha), está até hoje lá, mas ninguém pode visitar, não por causa da
ausência do altar, mas porque há alguns anos o governo turco resolveu construir
um teleférico para a acrópole, e eu não entendi bem qual foi o problema do
teleférico com as agências de turismo ou sei lá com o quê, que por causa do tal
teleférico a estrada para a acrópole está fechada e o tal teleférico não
funciona. Logo, ninguém visita a acrópole. Já mencionei que a Turquia é igual
ao Brasil?
Bom, além da Acrópole, bem na base do monte, tem o Hospital
de Galeno (finalmente chegamos nessa história!). O Asklepion, como era chamado
em grego, era um hospital que também era um templo dedicado ao Deus da Medicina
da Grécia Clássica, Asclépio (ou Esculápio). Agora imagine se no templo do deus
da medicina alguém poderia morrer de doença? Só se você quiser atrair a fúria
dos deuses, né? Então, os gregos deram um jeitinho de impedir que qualquer
paciente viesse a morrer ali: eles selecionavam os pacientes. Simples assim: se
eles sabem curar a sua doença você pode entrar, se não sabem, você fica do lado
de fora (e vai buscar tratamento ou pelo menos um alívio com águas termais, num
lugar que mencionarei mais à frente no diário).
Você foi aceito no hospital? Ótimo. Primeiro você precisa
passar por uma grande rua cheia de colunas, a Via Tecta, que leva ao santuário
de Asclépio. Lá no santuário, o doente deve fazer suas oferendas ao deus (não,
a medicina não era de graça) para poder ser admitido como paciente. Até hoje
ainda há uma peça do altar do deus, com as serpentes, símbolo da medicina.
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As colunas da Via Tecta |
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A entrada do Templo de Asclépio |
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Os resquícios do altar com as serpentes |
Dentro do hospital, além de uma área redonda, onde ficavam
os quartos dos pacientes (de tamanhos diferentes, imagino que fossem
proporcionais à oferenda dada ao deus), que também era um templo, dedicado ao
filho de Asclépio, que entrava em contato com os enfermos durante o sono, e de
onde se ouvia água correndo 24h. Há também diversas piscinas termais (para
banhos de temperaturas diferentes, dependendo da sua enfermidade) ligadas a uma
fonte tida como milagrosa que brota água até hoje; e também uma biblioteca e um
teatro. Sim, uma biblioteca e um teatro para os pacientes! Porque os gregos já
faziam, além de leitura dos sonhos, psicodrama e usavam a psicologia para
tratar seus doentes. Fora que é um bom passa-tempo para quem não pode sair da
cama.
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Uma vista geral da biblioteca (canto direito e do teatro ao fundo) |
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A fonte de água onde ainda brota água! Não sei se é milagrosa, mas é uma bênção no calor! |
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Brincando de estátua grega (pose de Isadora Duncan) |
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O Caike ficou animado com o teatro |
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Os quartos dos doentes, onde o deus falava com eles por meio de sonhos |
Mas isso não é só! O templo/hospital ainda tem um grande
corredor sombrio, por onde o paciente passava enquanto escutava o barulho de
água corrente e os médicos/sacerdotes sussurravam por aberturas no teto: “vai
se curar, vai se curar”. Certamente se a doença fosse psicossomática o paciente
sairia curado com toda essa abordagem.
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O corredor com os buracos no teto, por onde se dizia "vai se curar" |
Depois de visitar todo o templo, o que é uma visita
emocionante mesmo, aproveitei para comprar mel (imagina, na entrada da Via
Tecta tinha uma lojinha cheia de ervas e de mel! Uma tentação) e barganhar com
os vendedores das lojinhas para turista. E tive meu primeiro contato com os
verdadeiros vendedores turcos: o lance é barganhar. Quanto mais você barganha e
diz que não, e depois que sim, mais que você vai levar coisas extras por aquele
preço, mais felizes os vendedores ficam. O vendedor da loja onde fiz minhas
compras ficou tão animado com o jogo de compra/venda que além de me dar um
presente, ainda foi me seguindo até o ônibus, tentando vender mais coisas. Mas
o importante nessas horas é nunca levar nada pelo preço dado, o preço final tem
que ser no máximo 70% do preço inicial, senão certamente você está perdendo
dinheiro, e olha que lá tudo é muito barato. Me senti de novo no Egito.
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Lojinhas para turista |
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As ervas e o mel!!! |
Por causa dessa brincadeira acabei sendo a última a entrar
no ônibus, vergonha total. E, graças a deus, fomos direto para um restaurante
tipo buffet para almoçar, pois estávamos com muita fome. O tal restaurante era
bem simples, mas a comida era gostosa, além de barata. Aproveitei para comer
coisas típicas da região: almôndegas com arroz, uma espécie de palito
enroladinho feito de queijo (divino) e salada. De sobremesa resolvi
experimentar o gulag (ou pelo menos esse foi o nome que uma das meninas da
excursão disse que o doce tinha). Aproveitamos também para cantar parabéns para
os únicos adolescentes da excursão (filhos de um casal de Minas), que, apesar
de terem alguns anos de diferença, faziam aniversário no mesmo dia.
Aproveitei também para cercar a nossa guia, Tina, para
perguntar sobre a dança do ventre na Turquia, e ela me contou que os turcos
amam a dança do ventre, que tem muitos shows e muitos turcos freqüentam mesmo.
Mas, como nos países árabes, ninguém gostaria que sua filha se tornasse
bailarina, apesar de não ter o mesmo peso/preconceito. Ela também contou que
muitos turcos vão até a Capadócia só para assistir nossa brasileiríssima Clara
Sussekind dançar.
No final do almoço, chamei um garçom para perguntar se eles
aceitavam cartão de crédito, e qual foi a minha surpresa quando eles disseram
que sim, mas me trouxeram o cartão de visita do restaurante! Morremos de rir! O
pessoal do restaurante ficou meio sem graça quando mostrei meu cartão de
crédito, dizendo que era isso que eu queria dizer, eles até quiseram levar o
cartão de visitas embora, mas eu não deixei e guardei o cartão comigo como
lembrança. Nem que seja para provar como é complicado se comunicar em inglês
fora de Istambul.
Depois do almoço fizemos uma longa viagem até Izmir (que é a
antiga Esmirna, cidade onde nasceu Homero, olha só que chique), que é a
terceira maior cidade da Turquia. E a cidade é grande mesmo! Como o Rio de
Janeiro, ela ocupa toda uma baía, com direito a barcas para ir de um lado ao
outro, e ela foi completamente destruída na primeira guerra mundial, então há
pouquíssimos prédios históricos para visitar, a cidade foi totalmente
reconstruída e remodelada.
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Izmir: os turcos adoram jardins com desenhos... |
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Uma mini-mesquita do século XVIII |
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Porque o lance é ter fontes! Essa é dois em um: fonte e relógio. |
Fizemos um pequeno city tour pela cidade e depois seguimos
para o nosso hotel, que também parecia muito chique, até pato de borracha tinha
na banheira. Mas o andar onde ficamos era de fumantes, e os corredores e
quartos fediam muito, mas muito mesmo. Deixamos o ar ligado e as janelas abertas
para ver se dava uma melhorada enquanto saíamos para passear.
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A prova de que havia um pato na banheira! |
O hotel ficava de frente a uma praça enorme, com uma grande
estátua do grande herói da Turquia: Ataturk. E ao lado da praça, começava um
calçadão com gramado, o Kordón, uma beira-mar comprida, cheia de cafés e
restaurantes.
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Ataturk liderando os turcos |
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O mar estava de ressaca nesse dia |
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Turcos passeando e pescando pelo Kordón |
Aproveitamos o final da tarde para passear pelo Kordón até o
pôr do sol (novamente dica da nossa guia), e além de tomar um delicioso café
turco (Caike) e um chá de rosas vermelhíssimo (eu), aproveitamos para ver os turcos
andando pelo calçadão, fazendo piqueniques (aparentemente é um esporte
nacional), aproveitando cada micro-sombra disponível (as pessoas quase deitavam
debaixo dos arbustos para ficar na sombra), casais de todos os tipos passeando
de mãos dadas (inclusive as mulheres de véu), grupos de amigos literalmente
empilhados uns nos outros para tirar uma soneca, homens pescando e cachorros
correndo. Era final de semana, então os turcos estavam aproveitando.
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O chá de rosas e o café turco do Caike, a água acompanhando o café vinha com uma fatia de maçã |
Nesse calçadão também vimos muitas charretes de passeio (uma
gracinha, todas iguais com cavalos iguais), outro monumento do Ataturk que
homenageava todas as classes da sociedade (professores, artistas,
trabalhadores, cientistas, políticos e religiosos) e mais um monumento, dessa
vez, dedicado à mãe do Ataturk.
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O monumento dedicados às classes |
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Uma das charretes fofíssimas |
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Monumento à mãe do Ataturk |
Enquanto estávamos sentados aproveitando a brisa no
monumento das classes, ouvimos uma comoção e depois vimos uma das charretes
correndo desembestada pela rua. Os condutores corriam atrás enquanto os cavalos
corriam enlouquecidos em direção ao monumento da mãe do Ataturk! Os cavalos
conseguiram derrubar um fradinho de metal pelo caminho e subiram com a charrete
e tudo em cima do canteiro, a mais de meio metro do chão. Depois de subirem no
canteiro, finalmente foram alcançados pelos condutores (um dos cavalos havia
caído na peripécia) e soltos da charrete. Um dos cavalos (o que caiu) saiu
mancando, tadinho, mas não parecia muito grave, pois ele conseguia apoiar a
pata no chão. Juntaram diversos condutores para ajudar a controlar os animais e
tirar a charrete do canteiro. Mais tarde ainda apareceu um carro da prefeitura
para avaliar os estragos. Em menos de 20 minutos tudo estava resolvido. E eu e
o Caike decidimos que era melhor andar a pé mesmo.
Voltamos para perto do hotel e assistimos o pôr do sol com o
casal simpático de São Paulo. Apesar da sugestão da guia para jantar fora,
resolvemos voltar para jantar no hotel. Quando chegamos ainda havia dupla de músicos tocando lindas composições turcas :-) . Sentamos todos na mesma mesa e descobrimos
que o jantar seria estilo “menu”, uma entrada, prato principal e depois
sobremesa. O rapaz de Sampa queria pedir um vinho para acompanhar e resolveu
perguntar qual era o prato principal para decidir se escolheria um tinto ou um
branco. Depois de muita enrolação disseram para ele que o prato principal seria
um peixe e ele decidiu por um vinho branco.
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Mais um pôr do sol... dessa vez em Izmir |
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Os músicos turcos |
Chegou a entrada, era um prato muito esquisito, uma espécie
de massa recheado de carne, visualmente feio, mas extremamente saboroso. Depois
veio o prato principal, que não, não era peixe, era frango com macarrão. Uma
coisa bem insossa. De sobremesa, um flan muito sem graça de chocolate. Devíamos
ter escutado a nossa guia e jantado fora, mas já era tarde e já estávamos de
barriga cheia.
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A entrada era gostosa, mas meio feia... tentaram até disfarçar |
Fiquei tão abobalhada com a falta de qualidade do jantar, em
comparação com o que havíamos visto até então e com a vista que o hotel faz,
que esqueci minha bolsa na mesa, e depois de já estar de pijama (!) precisei me
trocar novamente e procurar por ela no salão. Ainda bem que os funcionários
haviam guardado tudo direitinho, e foram muito prestativos para me devolver a
bolsa.
Depois de tantas emoções, tomei um antialérgico (com o
cheiro de cigarro do quarto só assim para poder dormir) e fui deitar, o dia
seguinte prometia ainda mais!
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